FOLHAPRESS – Em uma rápida primeira impressão, “Mágica de Verdade” se parece, em seus momentos iniciais, com quadros de programas de televisão já vistos por aqui. A impossível construção de um raciocínio lógico para “vencer” o desafio pode remeter ao “Foguete”, clássica brincadeira de Silvio Santos onde uma criança gritava “sim” ou “não” para propostas de troca entre prêmios desconhecidos por ela.


O que começa a se apontar como uma crítica ao absurdo que é o entretenimento em nossos dias -é fácil também pensar nos bizarros vídeos de game-shows japoneses viralizados em nossas redes sociais- passa a ganhar outras dimensões na encenação de Tim Etchells.


A estrutura do espetáculo é, de certo modo, rapidamente apreendida pelo espectador -o que não impede que a obra se mantenha intrigante. Trata-se da mesma situação reproduzida incessantemente. Porém, o uso da repetição parece não buscar meramente o esvaziamento.


“Mágica de Verdade” atinge uma radicalidade que beira o inacreditável. Há variação, sem dúvidas, mas ela só atinge a superfície do que é apresentado. A substância do absurdo enquanto único conteúdo da ação, ainda que esta seja intensificada ao longo do espetáculo, permanece inalterável -ou, até mesmo, inatingível.


Ao deslizar em círculo -ou em vertiginoso vórtex- por diversas intenções, ritmos e sutis referências, o que parece central no discurso da encenação é exatamente essa impossibilidade, este não-enfrentamento da raiz das questões que emergem enquanto estruturantes- e problemáticas, quando não de fato absurdas- em nossa sociedade atual.


A obra reverbera, neste sentido, temas caros ao contemporâneo, como a interpretação totalmente subjetiva de fatos que ignora a concretude deles -a chamada pós-verdade- assim como a enxurrada de fake news talvez decorrentes disso. O contexto brasileiro ecoa forte nesse sentido.


Basta se lembrar do enfrentamento necessário às notícias como da existência de uma “mamadeira de piroca”. O óbvio é cada dia menos óbvio -e no processo de “memetização” tão visto nas redes sociais, debater sobre o cerne dos problemas se torna cada vez tarefa mais distante.


Não há valor algum em ganhar um jogo surreal como o apresentado. Os três intérpretes- ora desesperados para que ele acabe, tentando até fazer com que o outro burle regras; ora se divertindo dentro daquela brincadeira -habilmente conduzem o espectador pelos múltiplos desenhos propostos, mantendo-o engajado e incrédulo, ansiando por uma resolução.


No entanto, o que a obra sugere é de que é, de fato, impossível esgotar um conteúdo pela mera variação de formas. Muda-se o tom, mudam os papeis desempenhados por cada um; a narrativa, no entanto, permanece.


Aos poucos, a encenação passa a prescindir das risadas pré-gravadas. O público ri, sim, pela fértil comicidade amparada por ótimo timing do elenco; mas também parece haver um dado de desconforto. No final, o humor já beira a melancolia. A “Mágica de Verdade”, aqui, não seria vencer o jogo, mas sim, implodi-lo.


MÁGICA DE VERDADE


QUANDO Ter. (19), qua. (20) e qui. (21), às 20h


ONDE Teatro Sesi-SP – Av. Paulista, 1.313, Cerqueira César


QUANTO Grátis


CLASSIFICAÇÃO 16 anos


AVALIAÇÃO Muito bom