ISABEL FLECK

HAVANA, CUBA (FOLHAPRESS) – O nome “Clandestina”, explica o vendedor Oscar Valdez, brinca com o comportamento que parte da sociedade cubana adota para driblar o regime. A loja de roupas recicladas e descoladas, no entanto, passa bem longe disso.

Criada em 2015, a Clandestina é um negócio privado autorizado pelo governo cubano, após reforma econômica feita em 2010 por Raúl Castro que permitiu o chamado “cuentapropismo”, ou o negócio por conta própria, para algumas atividades.

Em agosto passado, no entanto, Castro suspendeu a emissão de novas licenças para os negócios privados, o que acendeu o sinal de alerta para quem já está ou queria entrar nesse mercado.

No discurso em que se despediu como chefe de Estado -mas indicou que seguirá à frente da política do país, no Partido Comunista-, Castro afirmou que o cuentapropismo continuará crescendo. A mensagem trouxe certo alívio a quem tem negócio próprio e até esta quinta (19) não sabia o que esperar do novo dirigente, Miguel Díaz-Canel.

“Não renunciamos a prosseguir com a ampliação do trabalho por conta própria”, afirmou Castro. Segundo ele, esse tipo de negócio “constitui uma alternativa laboral no marco da legislação vigente” e que, “longe de significar um processo de privatização neoliberal da propriedade social, permitirá ao Estado desprender-se da administração de atividades não estratégicas para o desenvolvimento do país”.

Para Valdez, o recado foi positivo. “Raúl disse que vão continuar com os negócios privados. E faz sentido, porque eles fazem bem para a economia cubana.”

Um levantamento feito pelo economista Richard Feinberg, do Instituto Brookings, estima que, hoje, até quatro em dez cubanos em idade produtiva tem alguma relação de emprego com o setor privado. Segundo os dados do estudo, o número de cuentapropistas no país era de 580 mil em 2017.

O governo também não divulga dados oficiais sobre quanto se investe na economia privada. Segundo Feinberg, autor de “Open for Business: Building the New Cuban Economy” (Aberto para negócios: construindo a nova economia cubana), uma das principais fontes de investimento no setor são as remessas vindas de cubanos no exterior.

“Se estimarmos as remessas, de forma conservadora, em US$ 2 bilhões (R$ 7 bilhões) por ano, e considerar investimentos de 30%, a economia privada estaria investindo US$ 600 milhões (R$ 2 bilhões) todos os anos”, diz Feinberg.

O taxista Juan Hernandez Ruiz, 59, não tem informações sobre números oficiais, mas vê no dia a dia como os negócios privados mudaram a cara de Cuba.

Logo após se aposentar como engenheiro de telecomunicações, onde tinha um salário mensal, no sistema estatal, de cerca de US$ 60 (R$ 295), ele abriu há seis anos uma cafeteria, que hoje está sob o comando do filho.

Ele então comprou Chevrolet azul de 1950 que transformou em táxi. Nas corridas, ganha mais do que o triplo do que quando era engenheiro.

“Isso não representa uma ameaça para o governo -pelo contrário, cria emprego e gera impostos. Não acho que eles vão voltar atrás. O próprio Raúl Castro já disse que o cuentapropismo veio para ficar”, diz.

Castro, em seu discurso, contudo, destacou os “erros” da implementação e controle do novo sistema, que permitiram a “evasão de obrigações tributárias”, que, por sua vez, levaram o governo a suspender as licenças, segundo ele.

Para Hernandez, mais regulação é positivo, porque acaba com os “piratas”, que “sonegam impostos e tornam a concorrência desleal”.

As principais atividades com permissão para negócios próprios estão ligadas ao turismo: táxis, restaurantes, aluguéis de casas e quartos.

Mas já há lojas como a Clandestina, que afirma ser o primeiro negócio privado na área de moda.

Eles compram roupas usadas em lojas que vendem doações do exterior e transformam em novas peças, com design gráfico próprio e impressão feita nos fundos da própria loja. O público é formado majoritariamente por turistas estrangeiros.