A sociedade brasileira, parodiando o imortal romance de Dostoiévski, “Humilhados e Ofendidos”, vive um momento de recorrentes humilhações. E os grandes responsáveis são os integrantes dos poderes constituídos. A degradação de valores e interpretações equivocadas da realidade vem gerando situação de muitos patrícios acreditarem que chegamos ao limite de uma sociedade em que não deva prevalecer os valores civilizatórios. A irresponsabilidade vem se expandindo com velocidade incomum. A inteligência está sendo subestimada por ações desastradas dos integrantes dos poderes constitucionais.
A mais recente demonstração dessa crise de valores foi dada por um ministro do Supremo Tribunal Federal. Na falsa polêmica de um político preso e o seu direito de participar do processo político, o ministro Edson Fachin defendeu que o apenado tenha o direito de fazer campanha eleitoral da sua cela prisional. Pelo seu voto, a constitucionalidade de uma nação soberana deveria estar subordinada às recomendações de organismos administrativos internacionais. As leis brasileiras não são apêndices de legislações além-fronteiras, o que subverteria a independência nacional.
No seu voto, o ministro paranaense defendeu a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, que reúne peritos independentes em número de 18 integrantes. Não tem poder nos seus relatórios de impor nada a nenhum país, por não representar os Estados. E o mais grave: o relatório foi assinado por apenas 2 integrantes da Comissão e que ignorou a representação permanente do Brasil em Genebra.  Destituído de poder jurisdicional, o Comitê é apenas um órgão administrativo. Como bem ressaltou o ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, no seu voto, por não ter efeito vinculante suas recomendações não tem poder de se sobrepor às leis nacionais. Não obstante, os advogados do réu insistirem na chicana jurídica, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é apenas um órgão de assessoramento. O órgão máximo da ONU, nessa área, é o Alto Comissariado de Direitos Humanos que tem como membros representantes dos Estados. No seu voto, o ministro Edson Fachin ignorou essa diferença fundamental normatizada naquele organismo internacional. Felizmente a maioria dos ministros integrantes do Tribunal Superior Eleitoral, desconsiderou a inoportuna e sem eficácia recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Com isso, impediu que a insegurança jurídica e o tumulto político se fizesse presente nas eleições brasileiras.
É importante saber que, no direito internacional, as únicas decisões vinculantes aos Estados membros da ONU são adotadas pelo seu Conselho de Segurança, definido no capítulo VII, artigos 39 e 51 da Carta das Nações Unidas, que trata da “Ação Relativa a Ameaças à Paz e Atos de Agressão”. Ex-diretor da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança da ONU, Gilberto Schlittler, ante o “imbróglio brasileiro”, afirmou: “É surpreendente que um ministro do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal use como razão para seu voto negativo do julgamento do Sr. Luiz Inácio da Silva uma recomendação do Comitê de Direitos Humanos cuja função é assessorar os órgãos da ONU, constituído por representantes dos Estados-membros. Ou o ministro em questão desconhece o Direito Internacional, o que é inadmissível, ou julga de acordo com o seu viés ideológico (“O Estado de S.Paulo”, 3-9-2018).
Felizmente a decisão do TSE, por 6×1, ao não se submeter constitucionalmente a um órgão administrativo de “assessoramento” da ONU, impediu que o Estado brasileiro abdicasse da sua soberania. O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro João Otávio de Noronha, sintetizou: “Este País não é uma colônia. Quem interpreta e julga o brasileiro soberanamente é a Justiça brasileira”. 

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira