Levy Ferreira/ SMCS

Ao atingir em um ano e meio a meta de se tornar a “cidade mais inteligente do Brasil” (ranking Urban Systems), o principal projeto de inovação de Curitiba agora quer estar entre as mais bem colocados do mundo no segmento. Um dos principais atores é a Agência Curitiba de Desenvolvimento, que conecta a prefeitura com startups, empreendedores, instituições de ensino e cidadãos com o Poder Público e setores externos. O objetivo é realizar transformação interna da prefeitura, levar inovação para todas as áreas da administração municipal e para a cidade. O principal projeto é o Vale do Pinhão, movimento que engloba os pilares da “Educação e Empreendedorismo”, “Reurbanização e Desenvolvimento”, “Fomento Fiscal”, “Integração e Articulação” e “Tecnologia”. Cada um desses pilares é inspirado ações e cidades que se destacam no cenário da inovação, com o Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou o Distrito @22, em Barcelona. Além de um laboratório urbano, localizado nos bairros Rebouças, Prado Velho e Centro Histórico, o Vale do Pinhão agora está em todo lugar. O intuito de desburocratizar e integrar serviços atrai empresários e cidadão a participar, com cursos, legislação facilitada, projetos, educação e serviços. A presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento, Cris Alessi, destaca em entrevista ao Bem Paraná que este é o Ano da Inovação, com um pacote de projetos e eventos saindo do papel para o cotidiano da cidade.

Bem Paraná — O que é a Agência Curitiba de Desenvolvimento hoje?
Cris Alessi — É a área de desenvolvimento da cidade. Nesta gestão, a gente inclui a inovação. É a entrada de desenvolvimento econômico e inovação. É uma conectora para a prefeitura, para fazer inovação interna, levar inovação para todas as áreas da prefeitura, e também da prefeitura para a cidade. Conexão entre o empresário empreendedor, as startups e o cidadão com a prefeitura na área de empreendedorismo e inovação.

BP — Como esses empresários e startups têm acesso à prefeitura, como funciona na prática?
Cris — A agência opera hoje o principal projeto de inovação da cidade de Curitiba, na gestão do prefeito Rafael Greca, que é o Vale do Pinhão. É um movimento para promover ações de cidade inteligente. Uma cidade inteligente é aquela que se desenvolve em torno do cidadão, que é o centro da transformação. Pensando em condições sociais e econômicas para essas pessoas, pensando em sustentabilidade para a cidade e também para os negócios. E dando mais eficiência nas operações. Transforma os serviços em mais práticos, fáceis e ágeis, dando eficiência nas operações. Com isso, o Vale do Pinhão tem cinco pilares estruturantes. Cada um tem uma gama de projetos que a gente oferece.

BP — Quais são os pilares de inovação?
Cris — O primeiro pilar é a Educação Empreendedora. É onde a gente consegue fazer a maior atuação diretamente com o cidadão de uma forma muito contínua, com uma série de cursos e eventos. Educação empreendedora que é para dar às pessoas, principalmente empresários, sejam de pequenas empresas MEIs (Microempreendedor Individual), startups, ou grandes empresas, a visão de futuro do empreendedorismo. Aí a gente tem, por exemplo, o Programa Bom Negócio Vale do Pinhão, que é uma jornada empreendedora; a gente tem a Empreendedora Curitibana, focado para empreendedorismo feminino; todos os cursos de capacitação nos espaços empreendedores nas ruas da cidadania, com espaço lá para atendimento de MEI e pequenas empresas, que além do atendimento prático do dia a dia dos MEIs, a gente tem cursos de capacitação; eventos dos mais diversos temas, segmentos e públicos – a gente faz em média 15 eventos por mês em Curitiba, seja no Engenho da Inovação, no Teatro Paiol, nas ruas da cidadania; uma base de relacionamento com o cidadão através de mecanismos digitais, de mail marketing, Whatsapp e redes sociais para atendimento. Então, a gente faz um cadastramento startups e ali a gente entrega serviços importantes para essas empresas e a conexão com o ecossistema de inovação da cidade. Todos esses são serviços embaixo do pilar Educação Empreendedora.

BP – Qual o segundo pilar?
Cris – O segundo é a Reurbanização. Nesse caso a gente trabalha áreas da cidade que têm foco de atração de empresas. O grande objetivo nesse pilar é a ocupação de vazios urbanos com a economia criativa, com a nova economia. A gente tem nosso laboratório urbano, que é a região do Bairro Rebouças, Prado Velho e Centro Histórico, onde a gente tem um processo bastante específico de transformação urbana. O Rebouças foi o primeiro distrito industrial da cidade, muitas indústrias estavam ali e tem uma característica de muitos prédios e edifícios construídos para fábricas, mas que hoje não são utilizados, então acaba ficando um vazio naquela região que é muito estratégica para a cidade. Quando ainda era um plano de campanha do prefeito, o Vale do Pinhão tinha muito esse foco urbano, de reurbanização. Na medida em que o Vale do Pinhão foi entrando no Plano de Governo e a sociedade foi sendo ouvida a gente foi expandindo o conceito do Vale do Pinhão. Do laboratório, do Vale do Pinhão, de uma área específica, virou algo muito mais amplo que isso. A parte de reurbanização, então, virou um dos pilares. A reurbanização a gente trabalha primeiro com legislação. Tramita na Câmara Municipal a nova Lei de Zoneamento onde já contempla aquela região para uso misto do solo, para além de comércio possa ter moradias e outros tipos de atividades que façam a região ficar viva. A gente vê em outras partes do mundo que as cidades que se desenvolveram no entorno de áreas de empreendedorismo e das novas formas de empreender, principalmente das startups, precisam que a universidade, a moradia, a indústria e comércio estejam próximos. E é isso que a gente tenta fazer nessa região. O edital técnico prevê transformar o local em um grande centro de inovação. Mas nossa ação ali é de incentivo dos donos prédios e áreas do entorno que façam isso também. E a gente ajuda nessas conexões. Um exemplo disso é o Cria, uma edificação de uma iniciativa privada que cria ali onde era a Ceras Canário, na frente da Sanepar, um espaço de convivência de empresas, um coworking, um centro de gastronomia, de eventos. Possibilitar esse tipo de projeto e incentivar que os empresários façam isso na região é um dos pontos importantes.

BP — Como laboratório, o curitibano vai ver a transformação no Rebouças?
Cris — Exatamente. A gente pensa também que todos os testes de novas tecnologias aconteçam ali. Por exemplo, quando a Yellow (startup de compartilhamento de bicicletas e patinetes) quis fazer o teste em Curitiba, nesse período de três meses, que está acontecendo ainda, eles queriam uma área específica e a gente pediu para ampliar para o Rebouças, porque o trânsito dos estudantes na região vai trazer vida para essa região. É importante para a gente ir puxando esses testes de tecnologia, testes de postos inteligentes, nessa região. A partir daí, a gente expande para a cidade toda. Esse é o segundo pilar estruturante do Vale do Pinhão.

BP — O terceiro pilar é para modernizar a legislação?
Cris — O terceiro é de Legislação e Incentivos Fiscais. Curitiba não tinha incentivo para empreendedores e principalmente de base tecnológica e de software, que sempre foi um movimentador importante da economia de Curitiba, desde 2012. Por causa disso, em julho de 2018 a gente reabriu o Tecnoparque, que reduz o ISS (Imposto Sobre Serviços) de 12% para 5% e isso torna Curitiba uma cidade competitiva com outras cidades do Brasil, inclusive da região metropolitana, porque Curitiba perde empresas para a região metropolitana.

BP — Além do incentivo fiscal, a gente tem a questão legal?
Cris — Tramitou durante quase um ano e meio na Câmara, com muita negociação, com muita ativação do ecossistema, ouvindo todas as universidades, o setor produtivo, as empresas de software, instituições de apoio, para conseguir aprovar a Lei de Inovação de Curitiba. Essa lei é um instrumento importante para a cidade. O Vale do Pinhão acaba sendo foco da cidade, e não depende só de vontade política. Se de repente entra um prefeito que não tenha tanta vontade política quanto o prefeito Greca, de fazer Curitiba voltar a inovar, a lei prevê que todo esse esforço não caia por terra. O próximo passo será a criação de um fundo de inovação da cidade de Curitiba. A lei abre essa possibilidade. Com a lei, a gente abre leques, coloca mais gente para falar e mais atores protagonistas dessa mudança.

BP — Os códigos fonte e as bases de dados agora estão todas com a prefeitura ?
Cris — São todas da prefeitura. Foi um trabalho bastante grande que a prefeitura fez para resolver a questão dos códigos fonte que agora estão na prefeitura, sob guarda da prefeitura. É natural que o ICI faça os desenvolvimentos porque eles têm uma licitação com a prefeitura, então é mais rápido e barato algumas coisas com o ICI, mas eles não são os únicos fornecedores da prefeitura.

BP — As startups podem apresentar programas nesse sentido?
Cris — Podem e fazem. A gente tem alguns projetos que a gente testa e abre para startups. Por exemplo, o próprio Tecnoparque tem um sistema que gere a relação desses empresários com a Agência Curitiba, que ele é feito através de uma doação de um trabalho da Contractor, que é uma startup de Curitiba. Como essa, tem vários exemplos. A URBS está licitando uma plataforma para o Estar Eletrônico e para bilhetagem que é ampla. A ideia é que ela possa aceitar outros aplicativos de qualquer empresa. Esse trabalho de abrir informação da prefeitura para empresas da cidade tem acontecido bastante. O Open Day, por exemplo, um evento mundial de dados abertos que aconteceu em março, é feito pelo Cold Four Curitiba, e uma das discussões foi transparência de dados de dinheiro público a partir de dados abertos; e melhoria de calçadas na cidade a partir de dados abertos também.

BP — O pequeno desenvolvedor que quer participar dessas concorrências deve procurar a Agência Curitiba?
Cris — A gente está trabalhando em capacitação para ensinar pequenos desenvolvedores e pequenas empresas a participarem de concorrências para a prefeitura. Muitas licitações que a gente abre dão desertas porque as grandes empresas não se interessam. Só que seria muito bom que pequenas empresas participassem.

BP — O Vale do Pinhão é só da Agência Curitiba de Desenvolvimento?
Cris — A gente tem ações de cada um desses cinco pilares em outras áreas da prefeitura. A Secretaria da Educação tem os Faróis do Saber Inovação. São espaços makers lá dentro. Tem tudo a ver com educação empreendedora, que é ensinar a pensar esse skill (habilidade) empreendedor que é tão importante e valorizado. Isso está dentro do Vale do Pinhão. A Secretaria da Saúde desenvolveu o Saúde Já, que está na parte de tecnologia. A Secretaria de Abastecimento tem as hortas urbanas que foram inclusive indicadas para premiação de cidades inteligentes em Barcelona ano passado e ficou entre os sete projetos mais inovadores de transformação urbana do mundo. O projeto é ocupar espaços e colocar economicamente viável para as famílias se manterem em sua região. Então, são todas as áreas com esse foco. E a prefeitura tem o papel de centralizar e envolver também outros atores, como empresários, Fiep, Sebrae, etc.

BP — O objetivo dos projetos de inovação é colocar Curitiba em qual patamar?
Cris — Quando começou o projeto do Vale do Pinhão era colocar Curitiba como cidade inteligente. Em agosto de 2018 fomos eleitos no ranking Urban Systems a cidade mais inteligente do Brasil. Em um ano e meio a gente atingiu nossa principal meta. Tão difícil quanto chegar lá é se manter.

BP — Passado esse período, com a aprovação da Lei da Inovação, é hora de colocar novos projetos em prática. O marco é o aniversário de Curitiba?
Cris — Neste mês de aniversário tivemos muitas ações focadas em inovação. É o ano da inovação, como o prefeito tem dito, e em março tem muitas entregas. O Movimenta Curitiba, que até o dia 11 de abril, uma série de eventos acontecem em vários pontos da cidade. Open Day, Paiol Digital, o Sebrae está fazendo evento, a PUC tem evento a Conquer tem evento, a Aldeia tem evento, o Distrito tem evento, a Fiep tem evento. Todos eles motivados pelo Movimenta. A pauta de inovação acontecendo. Existe o Smart Citie Expo, 21 e 22 de março, e a Feira de Inovação, dia 29, 29 e 30 de março. Enquanto o Smart Citie é super técnico para quem já está envolvido, a feira traz a inovação para quem não tem esse contato no dia a dia. Possibilitar, para quem vê inovação como uma coisa meio etérea, tão distante, possa entender como a inovação transforma sua vida. As pessoas nem notam que ao colocar um Waze, ou um Google Maps, elas estão utilizando inteligência artificial em sua vida. A Feira de Inovação, que é na Rua XV, dá essa oportunidade de entender. As pessoas vão ter experiência de realidade virtual, de drones, pequenos robôs. Market places que as pessoas fazem coisas e às vezes nem percebem.

BP — As mudanças visam tirar o Poder Público de um estado passivo?
Cris — A partir do momento que Curitiba se torna relevante no Brasil e no mundo todas as empresas que estão aqui ganham com isso. Se a gente for falar de startups, que já nascem internacionalizando, Curitiba estar no mapa é fundamental para essas pessoas e startups. Para uma pequena empresa, para um microempreendedor, que tem um acesso mais rápido e menos burocrático para abertura de sua empresa – em 2016 levava mais de 40 dias para abrir um negócio – com a integração da Rede Sim leva 48 horas. Olha a diferença que isso para a vida das pessoas. A questão do incentivo fiscal, a questão de educação empreendedora mesmo. Muita gente fala “se a prefeitura não atrapalha já é ótimo”. Eu acho que a prefeitura não pode atrapalhar, mas não é só isso. Tem que ser ativa, que trabalhar junto e ser colaborativa. É assim que a prefeitura se posiciona hoje. Hoje a prefeitura faz parte da quadrúplice hélice, que é o Poder Público, Instituições de Apoio (setor produtivo), as universidades, e o cidadão, que hoje a gente entende. Antes, o Poder Público era um ente a mais. Hoje a Agência Curitiba é um dos principais atores da inovação. A gente lidera a maioria dos eventos que acontecem. Somos atuantes junto a grandes e pequenas empresas, startups, etc.

BP — Para o novo empreendedor, quais áreas de Curitiba estão mais aptas neste momento a receber projetos?
Cris — Curitiba tem um DNA de áreas que são consolidadas, que é mobilidade e sustentabilidade. Transporte público e capital ecológica. Hoje se a gente ligar essas duas áreas chega a uma área que é de transformação mundial: novas energias. Para o transporte público, estamos falando em veículos menos poluentes, ônibus com baixa emissão de carbono, mas que também está no retirar o trânsito do centro, colocar novos modais, integrar novos modais. Então, a mobilidade como serviço é um foco bastante grande do nosso trabalho hoje das nossas fontes de estudos. É o que a Agência Curitiba quer que seja apresentado. Todo o esforço de bilhetagem única que está acontecendo, que a Urbs vem encabeçando, de aplicativos e novos sistemas, de transformar os sistemas que são antigos para possibilitar a bilhetagem única, e com ela a integração dos modais através de aplicativos, para trazer serviços. Outro ponto, que tem a ver com sustentabilidade, tem a ver com novas energias para casas. Temos projetos para energia solar na Cohab (Companhia de Habitação de Curitiba), de placas fotovoltaicas nos tetos, de toda a questão da transformação do Palácio 29 de Março em um palácio solar, que vai acontecer agora, de ser smart building. Curitiba tem o maior número de prédios com certificação leed platinum do Brasil e isso a gente quer incentivar muito também. Temos, por exemplo, conversado muito com algumas indústrias sobre a volta do carbono, que precisam fazer, sejam investidos na cidade. Projetos da fazenda urbana, com energia solar e também eólica, hidrelétrica. No Parque Barigui, a Secretaria do Meio Ambiente vai fazer uma mini-hidrelétrica, que vai inaugurar agora no aniversário de Curitiba. E a questão de abrir a tecnologia para serviços. O que de aplicações, de internet pública pela cidade, wi-fi nos ônibus e terminais, soluções de como trazer qualidade de acesso, de conexão, para o cidadão em toda a cidade. Esse também é nosso foco.