ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alguém perdeu um iPhone. 

Em qualquer outro ponto da Virada Cultural, provavelmente fosse um misto de desespero (“ai, meu Deus”) com resignação (“já era”). Não no palco gospel do evento, montado no Centro Esportivo Tietê. 

“Gente, seja crente, não roube. A Bíblia diz que bandido bom é bandido morto”, diz à plateia o humorista Daniel Araújo, codinome Paxtorzão.

Cabe a ele fazer o “esquenta” para a penúltima atração deste domingo (20), a cantora e pastora Soraya Moraes. O humor de Paxtorzão não poupa nem “os irmãos”.

Público no palco gospel da Virada Cultural, no Centro Esportivo Tietê Anna Virginia Balloussier/Folhapress Virada Cultural    Diante de um público chocho, diz: “Tem gente que parece estar morto, que levou um tiro”. Mais animação, por favor, pede.

É atendido quando as dezenas de pessoas no local começam a se empolgar com seu número, sobretudo quando conta que cometeu o pecado de ver a série “Lúcifer” e só parou quando a filha de seis anos disse que este protagonista aí até que era legal. 

Também fez o público minguado rir ao fazer piada de si mesmo. “Nasci todo estranho. Gordo, feio, pobre. Deus até disse: ‘Ixi esse aí deu ruim”. Mas Jesus não é este “tipão europeu” que pregam por aí, diz.

“Nem todo mundo é top. Olha pra pessoa do seu lado e fala: ‘Jesus te ama do jeito que você é”, continua com o tom de galhofa que, conta, levou-o a perder, nas redes sociais, “20 mil crentes” em seis meses.

A plateia esvaziada frustrou Renato Dias, 19. “Achei que vinha mais gente”, disse o jovem, que dançava o gospel de Soraya, a pastora que começou a carreira musical na banda de rock cristão Metanoya.

Soraya entrou no palco aos gritos de “aleluia”. Interrompe seu cancioneiro gospel para fazer uma oração na qual pede que Deus “derrame sua bênção” nos fiéis, na nação, em todos. 

Para a dona de casa Ivana Machado, 34, “ela é tipo nossa Daniela Mercury”, com “a bênção de ser correta”. Não gosta do fato da cantora de axé baiana, de quem era fã, ter casado com uma mulher.

A estudante de RH Larissa Kesia, 20, joga os braços para o alto quando Soraya canta os versos “Deus é bom/ Tão bom, tão bom/ Deus é bom o tempo todo”.

Público no palco gospel da Virada Cultural, no Centro Esportivo Tietê Anna Virginia Balloussier/Folhapress Virada Cultural    Tão bom é, também, poder curtir uma Virada, “tipo assim, sem muita gente viciada, aquele clima tenso” que se vê nos palcos seculares (não religiosos) do centro de São Paulo, afirma a universitária. “Sem contar que aqui a gente ora à vontade, sem vergonha.” 

Sem muito público, mas também sem latas de cerveja e lixo em geral no chão, o braço gospel da Virada transcorre sem maiores incidentes, enquanto a estrela da tarde entoa a canção “Som da Chuva” (“Chuva de poder!/ Chuva de unção!/ Chuva de bênção!/ Chuva de louvor!/ Chuva de cura!/ Chuva de glória!”).

O celular perdido ainda não havia sido encontrado até a reportagem deixar o local.