SANTA ELENA DE UAIRÉN, VENEZUELA (FOLHAPRESS) – A violência dos últimos dias na fronteira venezuelana despertou um novo adversário contra o regime de Nicolás Maduro: a numerosa etnia pemón, espalhada pela tríplice fronteira seca com Brasil e Guiana.


Várias lideranças engrossaram os protestos do fim de semana e estão em desobediência civil depois de confronto com militares na sexta-feira (22) de manhã, em San Francisco de Yuruaní, a 83 km de Pacaraima (RR). 


O enfrentamento deixou uma mulher morta e vários feridos, um deles em estado gravíssimo. Ele é um dos 14 feridos levados a Boa Vista (Roraima) por falta de medicamentos na Venezuela.


“Estou com o sangue ardendo”, diz José Antonio Fernandez, 37, comandante da Guarda Territorial Pemón. 


“É a primeira vez que isso está acontecendo. Como podem enviar 3.000 homens para a Gran Sabana [região onde estão os pemones]? O governo é covarde.”


No sábado (23), os pemones entraram em novo confronto com as forças da ditadura venezuelana, desta vez perto do aeroporto de Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil.


Em vantagem numérica, eles conseguiram capturar 42 militares da Guarda Nacional venezuelana.


“Não maltratamos ninguém. Mas não sabemos como estão nossos parentes [presos], se estão sendo torturados”, diz Fernandez.


O grupo, que incluía um major e um tenente, ficou pouco mais de um dia em poder dos indígenas, que os esconderam em uma região montanhosa. Foram devolvidos na noite de domingo (24) -mas deixaram para trás os escudos antimotim.


“Para que vamos devolver o armamento ao Estado, se eles nos estão atropelando o pemón com esse mesmo armamento?”, questiona o comandante.


Também da etnia pemón, o prefeito de Santa Elena, Emilio González, fugiu para o Brasil no domingo (24). Considerado independente, ele diz que escapou de ser preso pelo regime chavista. 


González afirmou que o número de mortos chega a 25. Funcionários de saúde venezuelanos relatam quatro mortos.


Após os confrontos de sábado, Santa Elena passou os dois últimos dias sem registro de violência. As ruas estão vazias e militarizadas por vários bloqueios.


Temendo mais violência, centenas de pemones, a maioria crianças, cruzaram para comunidades da etnia do lado brasileiro ao longo dos últimos dias. Lá, contam com a solidariedade dos parentes para comer e dormir.


“Nós já não confiamos no governo venezuelano. Quando se declarar uma guerra, que pelo menos as crianças não estejam aqui. Não estamos seguros na Venezuela. A ordem é que levem as crianças, as mulheres e os idosos. E aqui ficaremos lutando”, disse Fernandez.


Com o anúncio de que o Brasil forçaria a entrada de alimentos e medicamentos pela fronteira, Maduro fechou a aduana e enviou reforço militar -centenas chegaram à região a bordo de ônibus escolares amarelos.


Junto com os militares, vieram também milícias paramilitares que apoiam Maduro, chamados de coletivos, consideramos mais violentos dos que as Forças Armadas. 


Habitantes ancestrais dessa região, os pemones trabalham com turismo -são os guias para a escalada do Monte Roraima- e exploram ouro, atividade que tem crescido à medida que a crise venezuelana se acentua. 


“Eles chegaram lançando bombas de gás lacrimogêneo, são uns animais. Não têm compaixão. Santa Elena está destruída”, diz Fernandez.


Com cerca de 30 mil pessoas, os pemones são a quarta etnia mais numerosa da Venezuela. A população do lado brasileiro, onde são mais conhecidos pelo nome da língua, taurepang, é bastante menor, em torno de 800, e habitam principalmente a Terra Indígena São Marcos, no entorno de Pacaraima.


Apesar de a oposição ser majoritária, há pemones fiéis ao regime chavista. O principal líder é Cecilio Pérez, deputado da Assembleia Constituinte convocada por Maduro.


Em vídeo que circula em Santa Elena, Pérez aparece ao lado de um grupo de indígenas e promete lealdade ao ditador venezuelano.


A Guarda Territorial Pemón foi criada há cerca de três anos pelos indígenas. Foi uma resposta à crescente violência da região pouco povoada e, até recentemente, tida como uma das mais pacíficas da Venezuela.


“Tem malandros e roubos, por toda a Venezuela. Apreenderam droga no Brasil. Onde está a aduana? Isso é praticamente um negócio do governo”, justifica Fernandez.


“Os culpados são o presidente Maduro e Diosdado Cabello [número 2 do governo chavista]. Nós não estamos armados. Temos parentes mortos. Maduro tem de assumir essa responsabilidade”, diz o comandante.


“Enquanto estiver Maduro, haverá violência. [Hugo] Chávez foi Chávez. Maduro é outra coisa, arruinou o povo venezuelano.”