A primeira noite da convenção republicana, nesta segunda-feira, 24, foi marcada pela defesa do legado político de Donald Trump e pelo ataque aos democratas, caracterizados como uma “ameaça socialista”. Segundo os republicanos, um eventual governo do democrata Joe Biden representaria “anarquia”, “fim dos subúrbios americanos” e proximidade com a China. O discurso de Donald Trump Jr., filho do presidente, condensou parte dos ataques. “É como se essa eleição fosse igreja, trabalho e escola versus protestos, saques e vandalismo”, disse.

Mark e Patricia McCloskey, que apontaram armas a manifestantes negros em St. Louis e foram indiciados pelo ato, deram rosto à suposta ameaça que um governo democrata iria representar. “Sua família não estará segura na América radical dos democratas”, disse Patricia McCloskey, que afirmou ainda que Biden deseja “abolir os subúrbios”. A defesa do porte de arma, um valor caro aos republicanos, permeou parte dos discursos da noite.

Um dos momentos mais aguardados foi o da ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley. Ela deixou o governo Trump em 2018 e é vista como potencial candidata à presidência em 2024. Ela foi uma das vozes a apoiar Trump contra uma “esquerda socialista”.

A republicana afirmou que o governo Biden seria “bom para o Irã e o Estado Islâmico” e “ótimo para a China comunista”. “Ele (Biden) é uma dádiva de Deus para todos que desejam que a América peça desculpas, se abstenha e abandone nossos valores”, disse ela sobre Biden. “Trump tem uma abordagem diferente: é duro com a China, enfrentou o ISIS e venceu. Ele diz ao mundo o que ele precisa ouvir”, afirmou Haley.

Trump Jr. também associou Joe Biden à China, cravando o apelido de “Biden Pequim”. Ao defender o governo do seu pai, afirmou que ele é responsável pela “maior recuperação prolongada da história americana” e “menor taxa de desemprego” no país. “Cortesia do Partido Comunista Chinês, o vírus atacou”, disse o filho do presidente.

Na semana passada, o partido democrata usou a convenção para acenar a um leque amplo de eleitores, com mensagem aos independentes e moderados e ao mesmo tempo à esquerda progressista. A união do partido em torno de Joe Biden com o apoio do senador Bernie Sanders, de republicanos anti-Trump e de Barack Obama tentava energizar eleitores de grupos diversos.

Os republicanos, ao contrário, optaram por reiterar conceitos caros à sua base fiel. O arco de apoio estabelecido por Biden tem sido usado contra ele na narrativa trumpista: o presidente acusa o democrata de se alinhar com a esquerda radical, apesar de Biden ter feito uma campanha como candidato de centro. “Da última vez, o chefe de Biden era Obama. Agora, serão (Nancy) Pelosi, (Bernie) Sanders e o ‘Equadrão’ (quatro jovens deputadas democratas representantes de minorias na Câmara)”, afirmou Nikki Haley.

Com a perspectiva de que deve perder a maioria do voto popular para Biden, a estratégia da campanha republicana tem sido a de intensificar o apelo a uma base radical com a aposta de que o apoio em Estados específicos irá garantir a Trump a maior parte dos delegados no Colégio Eleitoral, como aconteceu em 2016.

A ideia de que Trump é o candidato da lei e da ordem, em oposição à ideia de que os democratas representam anarquia, têm sido levantada pela campanha republicana desde o estopim dos protestos antirracismo de junho, após a morte de George Floyd. A maioria dos protestos pelo país foram pacíficos, com atos pontuais de violência e depredação.

Parte dos discursos da noite vinculou Biden, falsamente, ao pleito de manifestantes de tirar recursos das polícias, uma ideia que o democrata já rejeitou.

A questão racial também foi parte do evento, mas em tom diferente do trazido pelos democratas. Desde junho, Trump tratou a morte de George Floyd como um ato isolado e se referiu a manifestantes como anarquistas. Na noite desta segunda-feira, o discurso contra protestos foi uma marca e Nikki Hailey afirmou que os EUA “não são um país racista”.

O partido democrata é mais diverso do que o republicano, o que ficou claro com os presentes na convenção e é um fato no Congresso americano. O esforço dos republicanos em mostrar que há negros nos quadros do partido – e que apoiam Trump – fez o senador Tim Scott, único republicano negro no Senado, fechar a noite.

Os republicanos também tiveram a participação de um democrata desertor, o deputado estadual pela Georgia Vernon Jones. O movimento é uma resposta à presença de republicanos anti-Trump na convenção democrata da semana passada. Os democratas tiveram a presença de John Kasich, um republicano que foi governador de Ohio, importante Estado-pêndulo, que deu voz a um movimento contra Trump que tem ganhado força dentro do partido.

Trump fez duas aparições na convenção, ambas gravadas na Casa Branca na qual esteve ao lado de pessoas comuns. Na primeira, ele conduziu uma conversa com profissionais que trabalham na linha de frente durante a pandemia do novo coronavírus – chamado por ele, novamente, de “vírus chinês”. Um dos presentes disse ter contraído covid-19 e se recuperado. Na segunda aparição surpresa, Trump recebeu americanos reféns de governos não democráticos no Salão Oval da Casa Branca.

O uso da residência oficial presidencial para eventos políticos foi uma quebra de paradigma na eleição.

O modelo de conversa com eleitores foi parecido com painéis virtuais feitos por Joe Biden na convenção da semana passada. A diferença é que o democrata fez as conversas virtualmente, com várias telas simultâneas, enquanto Trump recebeu os convidados na Casa Branca – nenhum usava máscara.

A convenção democrata foi adaptada por um formato televisivo, com as restrições de realização de evento presencial em razão da pandemia. Já os republicanos insistiram no modelo de comício, com a maioria dos discursos transmitidos de um mesmo pódio, em Washington.