BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Depois de um enfrentamento de duas semanas com a ala direitista do Congresso colombiano, o ex-guerrilheiro das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) Jesús Santrich pôde assumir, na manhã desta terça-feira (11), seu mandato como deputado.


A vaga no Parlamento é parte de um dos termos estipulados pelo acordo de paz entre a então guerrilha e o Estado colombiano.


Enquanto a guerrilha prometeu se desarmar e deixar de praticar atos de violência, o Estado garantiu diversos benefícios a seus ex-integrantes, entre eles o de poderem escolher dez integrantes para o Congresso: cinco para o Senado e cinco para a Câmara de Deputados.


O escândalo Santrich vem ganhando o centro do debate político e jurídico do país desde que, em 2017, veio à tona a denúncia da DEA (agência de drogas dos EUA) de que ele teria ordenado o envio de dez toneladas de cocaína a Miami depois da assinatura do pacto de paz.


O caso ganhou ainda mais relevo porque Santrich não era um guerrilheiro qualquer, mas um dos integrantes da equipe de negociadores do acordo.


O caso foi parar na Justiça Especial para a Paz (JEP), tribunal criado a partir do pacto e que vem condenando com penas alternativas vários dos ex-guerrilheiros.


O caso é que a JEP pode atuar apenas em casos relacionados a delitos cometidos antes do estabelecimento do tratado de paz, e a dúvida era se Santrich teria cometido o crime depois de dezembro de 2016, data da assinatura do acordo.


A JEP tem grande oposição do Centro Democrático, partido do ex-mandatário colombiano Álvaro Uribe e do atual presidente, Iván Duque. Este realizou uma manobra para retirar poderes do tribunal especial e reverter o entendimento, segundo o acordo de paz, de que alguns dos crimes, como narcotráfico, são anistiáveis.


Mas Duque, enfrentando crise de popularidade e de falta de apoio do Congresso, viu a tentativa de frear a JEP ser derrubada pelo Parlamento.


O tribunal, por sua vez, considerou que não havia evidências suficientes para saber em que data Santrich teria enviado as drogas aos EUA, e pediu sua liberação da prisão, algo que depois foi referendado pela Corte Suprema de Justiça.


Assim, o ex-guerrilheiro entrou na manhã desta terça no Parlamento colombiano e passará a integrar a bancada da Farc, agora chamada Força Alternativa Revolucionária do Comum, como foi batizado o partido.


Agora deputado, Santrich não pode mais ser julgado pela JEP nem pela Justiça comum devido ao foro privilegiado -as acusações contra ele, porém, serão analisadas pela Corte Suprema.


O episódio envolvendo a liberação do ex-guerrilheiro da prisão foi a justificativa para o então procurador-geral do país, Néstor Humberto Martínez, que já vinha sendo pressionado por ser investigado no escândalo da Lava Jato na Colômbia, deixar o cargo.


Assim, Duque enfrenta agora duas frentes: primeiro, a do Judiciário, que pede mais harmonia na relação da JEP com a Justiça comum. Parte disso dependerá da escolha do nome para substituir Martínez.


Este, além de ser acusado na Lava Jato local, tinha ligações com Uribe. E a sociedade espera que Duque escolha um nome mais independente.


Na outra frente, o presidente precisa afinar sua relação com o Congresso, que viu a tentativa do presidente de travar a JEP como um traço de autoritarismo.


Para isso, Duque vem falando em um pacto nacional, mas ainda será necessário acompanhar como pretende construí-lo, sem confrontar seu padrinho político, Uribe, um dos políticos mais populares da Colômbia.