Projetar pessoas e relacionamentos costuma ter um efeito nocivo, porque você tenta preencher os espaços vazios com as suas expectativas e de repente, você cria uma pessoa e uma relação irreais. Dessa forma, você passa a viver um relacionamento ficcional e uma pessoa tão ilusória quanto, perdendo a pessoa de verdade, que pode ser melhor ou pior da sua projeção. Então não adianta depois acusar o outro de não estar cumprindo o trato, porque esse trato foi você e sua percepção equivocada que montaram, fala da terapeuta de Laura Oberan, protagonista do romance inédito Conversa com o Tempo, romance escrito por esta colunista no ano passado.

Como atravessar a linha tênue entre aquilo que desejamos, sonhamos, objetivamos e a concretização desse ideal? No parágrafo acima, uma das personagens tenta explicar aquilo que geralmente acontece nos relacionamentos afetivos, cujo impasse é o da frustração. Talvez seja porque, tomados pelo clima da paixão, descartamos aquilo que não nos interessa e potencializamos as características que mais nos satisfazem. Como numa dieta em que você adia para o dia seguinte. Só mais um pedaço de pizza, amanhã eu não como mais carboidrato. A repetição da sabotagem nos coloca cada vez mais distantes da realidade. E aí não é questão de expectativa, mas sim, de ilusão.

Percepções – Na rede social, pergunto justamente sobre expectativa e realidade e as percepções vão se contrapondo, mas pelo melhor viés possível, porque o debate e o conceito sobre o que se espera e o que se alcança são muito diversificados. Um diz que funciona como uma intuição, a expectativa é como a cenoura na frente do cavalo, sem ela fica difícil andar para frente. Mas não me apego aos resultados passados, nem as conquistas de outros, ela pra mim é puro feeling. Por outro lado há quem enfatize faço a minha expectativa se tornar realidade! Não contabilizo o tempo! Pode ser um ano, dez ou vinte! Mas faço acontecer.

Entre as diferentes opiniões, há um ponto central em que os defensores da expectativa não a limitam como mera projeção ou sequer uma ilusão, mas provavelmente uma forma propulsora de seguir sua meta. Racionalizar esse processo também pode ser uma cilada, nem todas as possibilidades de algo chamado vida estão dentro de uma planilha. E viver sob a júdice do risco calculado não me parece algo praticável para quem preza por sua saúde mental.

No entanto, creditar meras expectativas que tudo vai funcionar de acordo com aquilo projetado exclusivamente por uma das partes, me parece imaturo e pouco responsável por si mesmo. E aqui é uma oportunidade de demonstrar minha habilidade em decapitar conceitos literários como o da raposa do Pequeno Príncipe, que na frase tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas, joga toda a expectativa da ação na outra parte, já se colocando numa posição prévia de vítima, caso não seja correspondida por aquilo que creditou. Isso não significa de forma alguma, que devemos ser negligentes com sentimentos alheios, mas nem sempre os traçados convergem, e isso deve ser colocado em pauta.

Demonizar as expectativas não eliminam decepções. A realidade é feita de surpresas e da impermanência. Saber lidar com esses lados é que nos faz crescer, se assim permitirmos dona raposa!

*Ouvindo Nick Cave – Do You Love Me?