SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Falta a Jair Bolsonaro (PSL) e à sua equipe de campanha capacidade de organização e experiência suficiente para coordenar um governo que possa trazer resultados positivos, na avaliação de Sérgio Fausto, cientista político e superintendente da Fundação Fernando Henrique Cardoso, e de Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

“Temos uma enorme capacidade ociosa na economia brasileira, e esse governo vai receber um impulso do ponto de vista cíclico. Em termos relativos, isso poderia dar frutos para o governo, mas o problema é que exigiria uma capacidade de coordenação e uma paciência que esses caras não têm”, afirmou Fausto, durante debate da série Diálogos, realizado pelo Cebrap, na sexta-feira (19), em São Paulo. A mediação foi da jornalista Daniela Lima, editora da coluna Painel, da Folha de S.Paulo, que apoiou a organização do evento.

“Não dá para montar um ministério de técnicos e de amigos, ele tem de entender que precisa trazer gente do ramo”, disse o cientista político, que já assume a vitória do capitão reformado no segundo turno como uma realidade. “O sistema está fragmentado, o time dele é ruim, e ele não tem experiência nenhuma.”

O único ponto de organização por trás da candidatura Bolsonaro é o dispositivo militar, de acordo com Nobre.

“Coordenar um governo é uma das coisas mais difíceis que existe, não há capacidade. Evidentemente, o alto comando das Forças Armadas tem um gabinete paralelo, e sabemos que é impossível compatibilizar hierarquia militar com política no Congresso. É a receita do desastre.”

Para Fausto, quando Bolsonaro, eleito, “aterrissar no chão pedregoso da realidade”, poderá se frustrar. “Como ele vai reagir? É uma pergunta que precisamos fazer.”

Para o cientista político, Jair Bolsonaro precisa definir qual será o modelo de gestão de seu eventual governo. “A questão é se seria um governo ‘normal, de direita’, ou um governo de palanque em movimento, que vai a todo momento testar os limites do sistema e fazer apelos plebiscitários retóricos.” Segundo ele, esses apelos seriam no sentido de mobilizar a máquina das mídias sociais e as igrejas evangélicas para passar a mensagem de que “eu sou novo e estou tentando enfrentar uma classe política carcomida que me impede de realizar aquilo que as urnas me conferiram”.

“Essa tentação pode estar presente. Penso que isso não iria levá-lo longe, mas poderia ser extraordinariamente destrutiva para o país, nos causando um processo de desorganização social e política cujo remédio é uma forma mais explícita de tutela militar”, disse.

A falta de compromissos concretos assumidos pelo presidenciável durante a campanha também apresenta um dúvida em relação ao futuro de seu eventual governo, de acordo com Marcos Nobre.

Durante as eleições, que seriam justamente o momento de calibrar as expectativas dos eleitores, o candidato do PSL não apresentou conteúdo programático, além de prometer a destruição do sistema e permitir que “qualquer pessoa sonhe até a lua”. “A possibilidade de você ter um colapso desse governo por criar uma expectativa que não pode cumprir em nenhuma hipótese é muito alta”, disse.

A oposição a ele, segundo Sérgio Fausto, precisará fugir da ideia de combate ao fascismo, que acaba intensificando a polarização e alimentando o “pior lado” do governo, fornecendo assim munição para reforçar sua base social. “Bolsonaro deve estar rezando para que o PT se fixe nisso.”

Ambos indicaram a formação de uma frente democrática como estratégia natural que deve surgir em oposição a Bolsonaro. “É preciso que seja possível pactuar gente de direita, de esquerda, o que for, senão vamos entrar em um estado de colapso permanente”, afirmou Nobre.