CARLA ARANHA

MOSSUL E BAGDÁ, IRAQUE (FOLHAPRESS) – Todos os anos, quando vai chegando o verão, o estudante de geologia Farah Waleed, 21, se prepara para seu passatempo favorito: passar horas nadando no rio Tigre, em Mossul, no norte do Iraque, onde mora.

“Em um calor de 50 graus, não existe nada melhor”, diz.

Mas isso mudou. Agora, o rio, que nasce na Turquia e atravessa o Iraque, até desembocar no golfo Pérsico, está apenas com metade de seu volume normal. Em alguns trechos, ficou até perigoso mergulhar.

A situação é parecida em Bagdá, a capital do país. “É triste ver um de nossos principais rios assim”, diz Waleed. O problema é atribuído à falta de chuvas e à construção de uma represa na Turquia, às margens do Tigre.

Não faltam preocupações sobre as consequências da escassez de água para a agricultura e o consumo da população.

No início desse mês, o Parlamento iraquiano convocou uma sessão de emergência para debater a crise hídrica.

Depois disso, as negociações diplomáticas com a Turquia avançaram e o abastecimento de água da represa foi adiado para o mês que vem -algo que nem todos estão comemorando.

“Adiar em um mês é só um paliativo. Acabamos de sair de uma guerra e corremos o risco de entrar em outro conflito, desta vez por causa da água”, diz o artista plástico Omar Aljalal, de Mossul. O Iraque derrotou o Estado Islâmico há um ano, em julho de 2017, depois de batalhas em várias cidades no norte e nordeste do país que duraram nove meses.

“Há um receio de que a falta de recursos naturais acabe causando novos conflitos”, afirma.

Estudos do Banco Mundial e das Nações Unidas apontam que o Oriente Médio e o Norte da África são as regiões mais secas do mundo e enfrentam uma escassez de água crescente.

“A população vem aumentando exponencialmente nessa parte do mundo, provocando um consumo maior de recursos, e as mudanças climáticas têm contribuído para um tempo mais quente e com menos chuvas”, diz Hammou Laamrani, coordenador de iniciativas relativas a questão da água no Oriente Médio do Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento Internacional, com sede no Canadá.

Hoje, cerca de 40% da população dos países árabes já sofre com a falta de água, diz Laamrani.

A Turquia começou a construção da represa Ilisu em 2006. O alto custo do projeto, da ordem de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões pela cotação atual), atrasou a finalização da obra, que foi inaugurada este mês.

A represa vai alimentar uma usina hidrelétrica capaz de gerar energia para quase todo o sudeste da Turquia, uma região menos desenvolvida do que o restante do país.

A obra é uma das bandeiras da campanha política de Recep Erdogan, primeiro-ministro turco, para as eleições gerais da semana que vem.

“Muita gente acredita que ele antecipou o enchimento da represa, previsto para daqui alguns meses, para ganhar pontos com os eleitores”, afirma Aljalal.

Erdogan está de olho em um problema que poderá se agravar. O Oriente Médio deverá sofrer as maiores perdas econômicas globais provocadas pela escassez hídrica, estimadas entre 6% e 14% do PIB (Produto Interno Bruto) dos países, de acordo com o Banco Mundial.

Hoje a quantidade de água potável disponível na região corresponde apenas à metade da média mundial. Além disso, 60% dos rios locais atravessam vários países.

Segundo a FAO, braço das Nações Unidas para a alimentação e agricultura, por enquanto não há um acordo entre os líderes regionais em relação à utilização dos recursos hídricos.

“Países como a Turquia têm controlado o fluxo de água para o Iraque de acordo com seus próprios interesses, sem levar em conta as consequências para o vizinho”, diz Fadel El Zubi, diretor da FAO no Iraque. “É preciso começar um diálogo para não criar situações em que a água se torne o centro de uma disputa regional”, afirma.