O fanatismo político de uma minoria de setores da direita e da esquerda, alimentado nas redes sociais, vem gerando um clima de ódio e intolerância nunca antes presente na vida nacional. As eleições de outubro ocorrerão nesse cenário arrogante que invadiu inclusive o convívio familiar. Fato inédito na formação da sociedade nacional. Em passado recente, mesmo convivendo com um Estado autoritário, onde as liberdades públicas inexistiam, não se via clima semelhante. No Dicionário Filosófico de 1764, Voltaire definia: “O fanatismo é uma doença da mente, que se transmite da mesma forma que a varíola”. O fanático é adorador de figuras messiânicas e não admite o viver democrático.
Décadas atrás os defensores do autoritarismo, que teve duração de 21 anos, e os opositores que combatiam a ordem intolerante não transigiam nas suas convicções. Travaram em todo o período duro combate no qual cassações, exílios, torturas, perseguições políticas eram fatos que ocorriam repetitivamente. Nem assim, nesse cenário devastador de intolerância, o ódio e o fanatismo estiveram presentes entre os que defendiam o restabelecimento do Estado democrático. No parlamento, debates duros, ácidos, respeitavam as fronteiras da civilidade.
A oposição brasileira era majoritária na opinião pública, infelizmente castrada na representação popular, ante a legislação antidemocrática. Acreditando no futuro, a oposição não se irritava ou odiava quem combatia a sua opinião, por ser livre nas suas convicções democráticas. Tempo que foi muito bem definido pelo saudoso professor Rubem Alves, psicanalista, educador e inesquecível pensador: “De todas as vocações, a política é a mais nobre. De todas as profissões, a profissão política é a mais vil. Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão.”
O fanatismo e ódio, presentes no Brasil, tem nesse pensamento do grande educador uma perfeita síntese. A ausência de políticos por vocação que pensam o futuro e tem por objetivo servir ao bem comum, substituídos pelos políticos profissionais, gerou o divórcio entre representantes e representados. Aliado a siglas partidárias destituídas de princípios, sem doutrina, alimentaram a situação caótica que vivemos. Nas eleições de outubro, por exemplo, o Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário disporão de R$ 2,6 bilhões de recursos públicos para financiar campanhas eleitorais. A distribuição dos recursos será da alçada dos dirigentes dos partidos políticos.
Essa deformação financeira nunca existiu na vida política nacional, não há limite para o autofinanciamento das campanhas. Os atuais detentores de mandatos e os postulantes mais ricos terão enormes vantagens na disputa eleitoral. O poder econômico terá proeminência, ante o fato de o candidato poder se financiar com recursos próprios até o teto definido para o cargo pleiteado. Os detentores de maior patrimônio pessoal são cobiçados e transformaram-se em ativos eleitorais. Seja no executivo ou no legislativo. Os financiadores ocultos encastelados em organizações que disponha de dinheiro vivo terão ativa presença eleitoral.  A exemplo de certas igrejas de mercadores da fé, crime organizado, sindicatos trabalhistas e patronais e setores que não passam pelo controle do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), operarão com liberdade, financiando as eleições dos seus candidatos.
A Operação Lava Jato vem demonstrando que a corrupção sistêmica é parte integrante da atividade pública, envolvendo políticos, grupos empresariais poderosos, agentes públicos em todos os escalões. O dinheiro oculto será ator fundamental nas próximas eleições. Paralelamente, a corrida para buscar candidatos ricos vem sendo estratégia assumida por todos os partidos políticos.
É nesse cenário de esperteza, em uma sociedade de baixa formação educacional e grande maioria alienada da realidade, que vem florescendo o fanatismo minoritário em setores da esquerda e da direita. Alicerçado em falsa ideologia de almanaque. O debate nacional fica interditado, os verdadeiros problemas econômicos e sociais são ignorados. Liquidar o inimigo é o objetivo.
O grande pensador e escritor israelense Amós Oz parecia definir o momento brasileiro quando escreveu: “Todos os tipos de fanáticos tendem a viver num mundo em preto e branco. Num faroeste de mocinhos contra bandidos. O fanático é na verdade um homem que só sabe contar 1.” 
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica. Foi Deputado Federal (1978-1991)