SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Ford anunciou nesta terça-feira (19) que vai fechar sua fábrica em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, onde produz caminhões e o Ford Fiesta. A produção será encerrada neste ano.


A unidade emprega 3.000 trabalhadores diretos. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a fábrica tem ainda 1.500 terceirizados.


A Prefeitura de São Bernardo do Campo calcula que ao menos 2.000 famílias no município devem ser afetadas.


A unidade será a primeira grande fábrica a encerrar sua produção naquele que, por décadas, foi o maior polo automotivo do Brasil.


A medida faz parte do plano de reestruturação global da marca, que acaba de estabelecer uma parceria com a Volkswagen para a fabricação de veículos utilitários.


Segundo representantes da montadora, o fechamento da unidade de São Bernardo não afeta a produção em Camaçari (BA), onde são feitos os modelos Ka e EcoSport, e em Taubaté (interior de São Paulo), que fabrica motores.


Em comunicado, a montadora afirma que vai deixar o mercado de caminhões na América do Sul. A Ford prevê impacto de cerca de US$ 460 milhões (R$ 1,71 bilhão) em despesas não recorrentes.


As vendas dos modelos produzidos em São Bernardo continuarão até o fim do estoque.


Em nota, o presidente da Ford América do Sul, Lyle Watters, afirma que a empresa “está comprometida com a América do Sul por meio da construção de um negócio rentável e sustentável, fortalecendo a oferta de produtos, criando experiências positivas para nossos consumidores e atuando com um modelo de negócios mais ágil, compacto e eficiente”.


Segundo a montadora, manter a fábrica em funcionamento exigiria investimentos para se adequar “às necessidades do mercado e aos crescentes custos com itens regulatórios sem, no entanto, apresentar um caminho viável para um negócio lucrativo e sustentável”.


O executivo afirma que a empresa manterá planos de garantia, peças e assistência técnica para os veículos que estão saindo de linha.


A saída da Ford do mercado de caminhões deve gerar um efeito cascata ainda difícil de mensurar. Distribuidores e fornecedores da fábrica de São Bernardo podem quebrar com a dificuldade de as demais empresas do setor substituírem a demanda que vinha da montadora.


A situação deve ainda engrossar a fila de desempregados no ABC paulista, gerando um problema social grave.”Sabemos que essa decisão terá um impacto significativo sobre os nossos funcionários de São Bernardo do Campo e, por isso, trabalharemos com todos os nossos parceiros nos próximos passos”, disse Watters.


Começa agora a complexa negociação com os sindicatos, mas a Ford não pretende remanejar funcionários. As unidades de Taubaté e Camaçari estão com o quadro completo –a fábrica na Bahia seria, inclusive, distante demais.


O encerramento da produção do Ford Fiesta Hatch já era esperado. O carro é vendido somente com motor 1.6 flex e custa a partir de R$ 52.7 mil. A surpresa é o encerramento da produção de caminhões.


Ainda assim, o anúncio do fim das atividades da Ford em São Bernardo pegou todos de surpresa. Ao contrário da General Motors, a montadora americana não ameaçou, nem tentou negociar benesses tributárias com os governos estadual ou federal.


Pesou para a decisão a crise no mercado de caminhões, que subiu impulsionado por incentivos do governo nos anos petistas, mas depois caiu abruptamente. Houve alguma recuperação recente, mas, na média, o setor continua com 70% de capacidade ociosa.


A fábrica de São Bernardo, por exemplo, só operava às terças, quartas e quintas-feiras.


Um segundo aspecto importante é a situação da própria Ford. Como as demais montadoras, a empresa vem perdendo dinheiro no Brasil. De 2013 a 2018, a Ford América do Sul acumula prejuízo de US$ 4,5 bilhões (R$ 21 bilhões).


Soma-se a isso o fato de que a Ford não produz caminhões em nenhum outro lugar do mundo. Logo, custos de engenharia e desenvolvimento de produtos não são diluídos.


Segundo apurou a reportagem, o comando da Ford até tentou evitar o fechamento da fábrica durante os últimos dois anos. Houve negociações para vender a fábrica ou fechar algum tipo de parceria, mas elas não prosperam.


O prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB), considerou a decisão um “desrespeito profundo com a cidade”.


“Não tinha nenhum indicativo, nenhum indício de que isso poderia acontecer”, afirmou. “Fizemos alteração viária no entorno da fábrica, levei para eles a lei que aprovamos de que, a partir de cem novos empregos gerados, passariam a ter desconto do IPTU.”


Na avaliação de Morando, é possível reverter a decisão.


Ele diz que entrou com contato com o gabinete do presidente Jair Bolsonaro e aguarda um retorno. “Deixei recado com o governador de São Paulo, João Doria [PSDB], que vai me retornar ainda hoje, mas já sinalizou disposição a ajudar.”


Em nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do governo do estado de São Paulo disse que a decisão foi da Ford e que compete apenas à empresa comentar.


“Acho que é possível reverter a decisão se nos derem margem para o diálogo. A Ford, do jeito que se posicionou, não parece querer. A questão é tributária? Qual o incentivo, a necessidade [da montadora]? É uma empresa que já teve benefício fiscal dos governos, nunca a iniciativa pública se negou a falar com eles. Não pode ser pela porta dos fundos que vão sair da cidade”, disse Morando.