No dia 19 de setembro de 1983, o Jornal da Tarde publicava uma reportagem, escrita pelo repórter Randáu Marques, sobre o último dia de vida do Paribar: “As luzes do térreo do Edifício Thomas Edison foram desligadas sob protestos: os clientes do Paribar continuaram a ocupar as mesinhas da Praça Dom José Gaspar mesmo depois de terminadas as últimas cançonetas, entoadas ao som do velho piano e de brindes comovidos por umas 30 pessoas inconformadas com o fim de seu ponto de encontro dos últimos 33 anos.”

Muitos brindes e “cançonetas” depois, o Paribar renasceria no mesmo local, na Praça Dom José Gaspar, em 7 de abril de 2010. Nesse domingo, o bar comemora os seus 70 anos – contando o período em que permaneceu fechado, mas sem nunca desaparecer do imaginário boêmio da cidade de São Paulo.

A mística do lugar vem dos seus frequentadores ilustres. Nos anos 1950, abrigaram-se sob aquele toldo verde e branco (e nas suas cadeiras de vime) nomes como os pintores Tarsila do Amaral e Candido Portinari; o intelectual e escritor Sérgio Milliet (que inclusive tinha uma mesa cativa por lá); e até políticos como Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Delfim Netto.

A vizinhança com a Biblioteca Mario da Andrade era a desculpa que artistas e intelectuais precisavam para um trago relaxado ao cair da tarde. Na década de 60, o Partido Comunista também tinha um “endereço” na região – o que também levou muitos militantes para o bar.

Aliás, uma das histórias mais saborosas sobre o Paribar nunca foi confirmada. Existe a lenda de que Che Guevara tenha tomado um cafezinho por lá em meados dos anos 60. A tal visita não foi registrada e sequer pode ser comprovada – pelo menos até agora. Depois do Golpe Militar, membros do DOI-CODI, órgão de repressão da ditadura, também costumavam ser vistos por lá.

O Paribar também fez parte da vida do escritor Marcos Rey, cliente assíduo do lugar entre os anos 50 e 70, fez do lugar um dos personagens do conto O Bar dos Cento e Tantos Dias. No texto, ele descrevia um publicitário desempregado que passava os dias numa mesinha de rua de um bar no centro da cidade. Em determinado momento da narrativa, o homem sentenciava: “Com um pouco de concentração e paciência, se pode ver os mortos passarem”.

O bar também esteve em um filme do cineasta Ugo Giorgetti, colunista do Estadão. Em O Príncipe, um velho jornalista, interpretado por Otávio Augusto, se posta melancólico em frente do lugar que havia sido o bar. “O Paribar era sobretudo um lugar de convívio civilizado . Um bom passatempo era ficar numa mesa apenas ouvindo conversas que se desenvolviam em mesas próximas. Nas vizinhanças do Paribar ficavam o MASP, a Cinemateca Brasileira, a Biblioteca Mario de Andrade., o prédio de O Estado de S.Paulo (a antiga sede do jornal, no centro). Com alguma sorte na mesa ao lado podia estar Sergio Milliet, por exemplo”, contou Giorgetti.

“Eu ia muito em 1977, na época do cursinho e do movimento secundarista. Um período de resistência à ditadura. Eu era um jovem estudante e sentia ali os ares da mudança e a criação de uma frente democrática”, disse o arquiteto Jose Armenio de Brito Cruz, presidente na SPUrbanismo, órgão ligado à Prefeitura.

‘Era um lugar em que se falava sobre tudo’, diz arquiteto Paulo Mendes da Rocha

Paulo Mendes da Rocha, considerado o maior arquiteto brasileiro vivo, recordou das noites de juventude e dos primeiros copos de uísque. “Era um lugar em que se falava sobre tudo. Eu arquiteto, começava a conversar com alguém de cinema, que conversava com alguém de teatro. Era uma conversa criativa, espontânea, uma forma fluida de literatura”, contou.

Rocha também lembrou de um espelho que decorava as paredes do Paribar nos anos 50. “Uma coincidência! Na época de faculdade, fazia uns trabalhos para conseguir dinheiro extra. Fiz alguns trabalhos para uma loja de mobília na Rua Augusta – que atendia aos chamados novos ricos. Provável que algum cliente tenha se desfeito do espelho e vendido para o Paribar. Era uma peça de 5 metros de extensão e 1 metro de altura. Eu me divertia comentando sobre o espelho do bar com amigos, sem revelar que ele era uma peça feita por mim”, falou.

Paribar teve sua gênese no navio que, no final da década de 40, trazia para o Brasil as famílias Ducco e Bauducco, que fugiam da Itália por causa dos desdobramentos da 2ª Guerra Mundial. O nome da casa vem da junção as sílabas iniciais de ‘Pastifício, Ristorante e Bar’. A família que criou o empreendimento não conseguiu tocá-lo adiante, a cidade ainda não parecia preparada para um café/restaurante/bar com mesas na calçada.

Antes que o bar fechasse, o gerente italiano Franco Zanuso assumiu o negócio. Do ramo, ele fez ” a casa virar”. Em 1983, no exato último dia do bar, ele declarou ao Jornal da Tarde: “… faltava um bar à altura da praça e da cidade, que de cozinha italiana não tinha nada; era só pizza e nada mais (…). Aluguei um pequeno boteco atrás da biblioteca; pensando em algo que pudesse ser frequentado por gente de todas as classes, por toda a cidade; com muito asseio, cardápio de primeira qualidade e acessível a todos os bolsos…”

Além de competente administrador, Zanuso ficou conhecido por ajudar jovens que fugiam do regime militar. Não raro, ele tirava dinheiro do próprio caixa para ajudar os garotos em fuga.

O Paribar não resistiria ao início dos anos 80. A deterioração do centro era evidente. Clientes da época declaravam em reportagens que a praça Dom José Gaspar havia se transformado em um “campo de concentração de trombadinhas”.

Na época, já não era mais possível colher pitangas silvestres nas árvores da região. Além disso, claro, a noite estava mudada. Os clientes não se renovavam e os mais jovens começavam a descobrir outras distrações. Na ocasião, Zanuso declarou. “Os gostos mudaram, as pessoas acham melhor gastar Cr$1, 5 mil (moeda da época) em uma lanchonete infecta do que saborear um macarrão decentemente preparado e servido pelo mesmo preço, com direito a bebida.” Acabava assim, no dia 17 de setembro de 1983, o Paribar original.

Em 2005, o administrador de empresas Luiz Eduardo Pacheco Campiglia Filho, teve a ideia de abrir um café no Centro de São Paulo. Entre os imóveis visitados estava um na praça Dom José Gaspar – completamente fechado e com uma placa de aluga-se na porta. “Eu não sabia que aqui tinha sido o Paribar”, confessou.

Quando a reforma já estava quase terminada e o lugar pronto para se transformar em uma espécie de um café, um cozinheiro convenceu Campiglia a abrir um restaurante. “Em 2005, eu inaugurava o Santa Fé. O restaurante foi muito bem. Era uma novidade. Mas sempre entrava alguém aqui lembrando que nesse lugar havia existido o Paribar. Aquilo foi ficando na minha cabeça”.

Em pouco tempo, o restaurante Santa Fé esbarraria em um problema legal. O nome já tinha registro. Era preciso trocá-lo. “Foi quando eu pedi para a advogada consultar o nome Paribar. O nome não estava registrado. Eu, que estava encantado pelo centro, iniciei um processo de registro – que levou cinco anos”, contou Campiglia. “Como todo dia entrava alguém aqui para me contar coisas do Paribar, fui reconstruindo e construindo o lugar mentalmente até reabri-lo em 2010”, completou.

Logo depois da inauguração, frequentadores antigos começaram a trazer fotos do Paribar original (inclusive da família Ducco), mostrando, por exemplo, o toldo verde e branco (porque Zanuso era Palmeirense) e as cadeiras de vime. “Sempre tive interesse pelo centro, pesquisei sobre a vida boêmia do centro para não cometer injustiça. Não quis imitá-lo, quis homenageá-lo”, disse Campiglia.

Apesar das cadeiras de vime terem ido, momentaneamente, embora, o toldo verde e branco continua em pé. Assim como o novo Paribar continua se alimentando do espírito e da herança que o seu antecessor deixou. “Sempre quis contar a história do Paribar, mas não quero que ela domine tudo o que acontece aqui dentro. Nunca quis carregar esse peso. Temos que olhar para frente – respeitando o que passou”, afirmou o dono atual.

No domingo, dia 13, o Paribar celebra os seus 70 anos de história com a reunião de uma série de festas de rua que marcaram a Praça Dom José Gaspar nos últimos anos. Estão confirmados para o evento os DJs AD Ferreira (Mel), Tide (Je Treme Mon Amour), Magal e Gláucia (CIO), Mauro Farina (Free Beats) e MATS. Horário: Das 14h às 22h, grátis.

Outros bares tradicionais passam por mudanças

O tradicional Bar do Alemão, na Avenida Antártica, pertinho do Palmeiras, zona oeste de São Paulo, vai fechar suas portas. Depois de 50 anos de história, a casa vai entrar no seu último mês de funcionamento. A data prevista para passar a última rodada de chope é no próximo dia 14 de novembro.

Mudanças à vista também no Riviera Bar. Além da volta do néon com o nome do estabelecimento, localizado na esquina da Avenida Paulista com a Consolação, ele volta para as mãos do empresário Facundo Guerra (nos últimos anos, o Riviera estava sendo administrado pelo Victor Oliva).

O novo Riviera começa já no próximo dia 16. Em seu Instagram, Guerra promete “preços mais justos e alinhados com os novos tempos”. O cardápio e o atendimento ficará por conta da equipe do Bar dos Arcos.