O que mais me impressionou foi a perspectiva. Na minha memória, os espaços não eram só mais altos, mais largos, havia uma certa profundidade, uma diferença. Um contraste maior de figura e fundo. Sendo eu, a figura e a Dr. Freud, o fundo. 

Dr. Freud era uma balada que frequentei na juventude. Eu tinha uns 18, 19. Íamos, meus amigos e eu aos sábados – todos eles – isso oficialmente; era o que podia ser dito aos nossos pais. Mas a verdade é que tinha sempre um trabalho em grupo, uma prova a ser estudada, uma pizza na casa de um ou de outro – tudo ficção – para nos liberar as noites das quintas e sextas. Muitas horas da semana dançadas nos dois andares escuros da Dr. Freud.

Nesse dia que conto no início do texto, bati na porta do lugar às 10h30 da manhã, uma segunda-feira. Tinha de fato um trabalho por fazer. A encomenda era da faculdade. Queriam

que colhêssemos informações sobre um espaço comercial da cidade, e escolhi esse espaço. Um questionário enorme que respondi de qualquer maneira impactada pela decepção. Estar diante dos bastidores do lugar que pra mim tinha algo de mágico, de misterioso, estragou um tanto do que àquela altura eu entendia por A Noite (assim com maiúsculas mesmo). E aí o nome da balada fica ainda melhor. O que propõe Freud se não a aventura perigosa de acender a luz?

Hoje, à caminho da academia, lembrei até do cheiro daquele dia. Do cheiro e do gosto do segredo revelado. Não eram nem 6h ainda, São Paulo escura, um frio danado, a rua vazia. Depois da primeira esquina dobrada, passei por uma moça que, como eu, tinha os braços cruzados, tentando se proteger da chegada do outono. Ela apressa o passo, me ultrapassa, põe a mão no bolso, e tira dali uma chave. Abriu a escola municipal que, para mim, amanhecia aberta. Assim como as crianças que a frequentam. Criança pequena já acorda acordada.

De novo, revelou-se o que sempre esteve ali, mas que em nenhum momento me passou pela cabeça. As escolas não são mágicas. Nelas, trabalham professores e funcionários, há escalas, horários, salários, bem vida real. Assim como a noite. Não são mágicas, mas são. A mágica é feita do que se produz ali. Não tem luz acesa que apague o mistério. Ainda assim, hoje mais do que aos 18, gosto de acender a luz, sabe por que? Porque quando passei de volta, já sem casaco e suada, quando vi as crianças no colo dos pais, mochilinhas nas costas, senti de novo a escola aberta. As possibilidades de cada uma das crianças que entravam em aberto, em escancarado. Como quando voltei na quinta seguinte a Dr. Freud. Continuava tudo mágico. A gente descobre, abre portas, mas mistério há sempre há de pintar por aí.

 

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