Muita água, exercícios físicos e, por que não, uma planilha no Excel. Esses são alguns itens que compõem a lista de preparativos de quem vai curtir ou trabalhar no carnaval, dos blocos de rua ao desfile no sambódromo.

A maratona teve início ainda no fim da noite de sexta-feira, 21, no Anhembi. Para quem não puder estender a folia pela Quarta-feira de Cinzas, 26, restam quase cem horas de festa para curtir nas ruas os 350 blocos previstos para desfilar em todas as regiões da capital paulista em quatro dias. No Anhembi, dá para gastar até 24 horas entre a concentração e a dispersão para curtir as 22 agremiações que desfilam até a madrugada de segunda-feira, 24 – detalhe, megacampeãs como a Vai-Vai e a Camisa é que vão fechar o desfile do Grupo de Acesso.

Quando a festa se aproxima, os cuidados são intensificados: enquanto o intérprete da Mancha Verde, Fredy Vianna, abusa de maçãs para limpar as cordas vocais, Daiane Meireles mantém as aulas de samba no pé para brilhar na ala das passistas da Rosas de Ouro. Ele deveria puxar o samba da Mancha nesta madrugada, enquanto ela deve ser uma das atrações, no apagar das apresentações na manhã deste Domingo, 23.

Nas ruas de São Paulo, o superfolião Rafael Rosa chega a ir a mais de 20 blocos por carnaval – e vale lembrar que algumas atrações, como Anitta, só vão desembarcar aqui no próximo sábado, 29. A preparação começa um mês antes, quando decide a quais desfiles vai e visita a 25 de Março para comprar os acessórios. Na contramão da agitação, a cantora Mariana Aydar busca ficar mais calma, com prática de ioga e meditação para revitalizar as energias. Mas o preparo é árduo para colocar o trio elétrico na via, com um intensivo de ensaios.

Esses entusiastas do carnaval, juntamente com a pernalta Gabriela Ponte Machado e o casal de foliões Barbara Maués e Marcos Alencar – ele, cadeirante – contam que a curtição é boa, mas é preciso muito planejamento para mergulhar na maior festa popular do Brasil, com expectativa da Prefeitura de atrair um público de 15 milhões de foliões nesta edição.

Superfolião no bloco e no anhembi

Dos 26 anos de vida, 19 foram dentro do carnaval. O analista de marketing Rafael começou a desfilar em escola de samba aos 7, motivado pelos pais que já integravam a equipe. “Ele (o pai) começou tocando na bateria, em seguida virou diretor da ala das crianças e levou minha mãe para ser diretora com ele. Hoje em dia, ele é diretor de Harmonia. Todos na Rosas de Ouro. Está no sangue e está no nome”, diz ele, com Rosa por sobrenome.

Atualmente, desfila na comissão de frente da escola, mas a curtição da folia não fica restrita ao sambódromo. Ele é um superfolião que vai a mais de 20 blocos de carnaval nas ruas de São Paulo, chegando a três por dia. “Saio às 10 horas e volto para casa às 3 horas do dia seguinte, porque 10 horas eu já estou saindo novamente. Mas descanso durante a semana.”

O planejamento começa um mês antes, quando compartilha com os amigos uma planilha do Excel com os principais blocos de rua. Perto da data, eles vão à 25 de Março para comprar os acessórios carnavalescos. “Podemos dizer que, para mim, essa é a melhor época do ano!”. Paralelo a isso, tem ensaio o ano inteiro com a escola de samba.

Ioga para garantir o forró

A cantora Mariana Aydar participou do desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta no domingo passado, 16, mas a responsabilidade será maior na próxima segunda-feira, quando levará seu bloco Forrozin para a Ipiranga com a São João. “É muita coisa. Tem de cuidar da roupa, do repertório, de ser mãe, fazer compras.” Para dar conta de tudo, ela faz atividades que a mantenham calma e concentrada. Ioga e meditação são as principais, mas também acende velas e faz orações.

Diferentemente da postura nos shows que rodam o Brasil, em que costuma “tomar uma cachacinha”, ela prefere se manter sem álcool no bloco. Água e água de coco são os combustíveis em cima do trio. Antes da festa, a preparação física é mais densa, com exercícios aeróbicos e alimentação mais equilibrada. E evitar falar muito.

Os ensaios exigem planejamento, que começa quase um mês antes da data do desfile. E a dedicação aos cantores convidados é outra. “Temos de tirar as músicas do zero, porque tem a preocupação de colocar na vibe do bloco, tentar dar uma “enforrozeada”, trazer o Nordeste para as músicas.” E, depois, toda a calmaria se transforma em explosão de festa. “Adoro trabalhar no carnaval, me sinto muito realizada.”

Cadeira de rodas na folia

Barbara Maués e o marido Marcos Alencar, ambos de 44 anos, são foliões empolgados. Ele já tocou em bloco, ela faz parte de um e os dois estarão na folia logo após o casamento no cartório, no dia 29. Possivelmente, vão “virados”, porque vai ter carnaval no dia anterior e o casório será cedo.

Alencar, publicitário, anda em cadeira de rodas porque há oito anos sofreu um acidente e teve tetraparesia (tetraplegia com movimento incompleto dos membros superiores). Então, muita organização é necessária para que saiam de casa. No carnaval, optam pelos blocos mais tranquilos e com amigos “para ajudar no perrengue”. Na mochila, além da animação, levam itens emergenciais.

Se ela vai sozinha, é com o celular carregado mais um carregador portátil. “Fico sóbria e atenta aos meus pertences, porque se ele precisar de mim, e ligar, preciso voltar logo para casa. Prevenção nunca é demais”, diz ela.

Passadas largas para ser musa

Passista do projeto Renovação da Rosas de Ouro, Daiane Meireles, de 35 anos, tem uma trajetória de ascensão no carnaval paulistano. Em 2017, foi convidada para compor a ala coreografada da escola de samba, que este ano entra no Sambódromo do Anhembi no amanhecer deste domingo, a partir das 5 horas. “Era meu sonho desde criança”, diz a técnica de segurança do trabalho.

O objetivo mesmo era ser passista. No ano seguinte, ela fez o processo seletivo para o grupo, mas foi reprovada. O não serviu de impulso para buscar mais conhecimento e iniciar aulas de samba no pé.

Em 2019, ainda na Rosas, tornou-se também passista da Barroca Zona Sul e desfilou pelas duas agremiações, com um dia de diferença – o Acesso paulistano costuma ter exibições na noite de domingo e madrugada de segunda. “Foi loucura, bem cansativo para conciliar os ensaios, mas quando chega o grande dia a gente esquece tudo e quer fazer tudo novamente”, afirma. Para manter o pique, conseguiu um tempo para dormir e tomou bebidas energéticas.

Com mais confiança, insistiu no Passistas Renovação e foi aprovada. Em seu primeiro ano na posição, a expectativa é grande. “É pedir a Deus para dar tudo certo e agradecer.”

Daiane, que também assume o posto de musa na Imperial da Vila Penteado, aposta na musculação ao longo do ano para preservar o condicionamento físico. A maior parte da alimentação é composta por proteínas e muita água. “Nesta época de carnaval, evito muito comer lanches na rua.”

A voz que não deixa o samba cair

É a voz de Fredy Vianna que conduz integrantes da Mancha Verde pelo Anhembi. Por isso, a preparação do cantor de samba-enredo não poderia ser outra. Intérprete da agremiação atual campeã do carnaval paulistano, ele inclui em sua rotina aulas de canto e postura vocal, além de sessões de fonoaudiologia. Também restringe bebidas alcoólicas.

Todo esse preparo não é de véspera – desde janeiro, ele começa a fazer “um intensivo de maçãs”, fruta que não aprecia, mas que entra na dieta porque, ele sabe, faz bem para as cordas vocais. Tudo pelo bem da apresentação na avenida. “Levo maçã para todo lugar: meu carro, minha casa, a casa da minha mãe. Em todo lugar eu deixo, para mim e para a ala musical”, conta ele, que também bebe muita água – mas não gelada.

A disciplina de comer até o que não gosta também é necessária porque o trabalho vai além da capital. Ele canta na escola de samba Sol da Vila Amélia, do litoral, e na Acadêmicos da Vila Aparecida, de Bragança Paulista, no interior. Para dar conta de tudo, Fredy tenta dormir pelo menos oito horas por dia no total, mesmo que seja um cochilo aqui e outro acolá. É que ele troca o dia pela noite e qualquer tempo livre serve para descansar – e com a maçã do lado.

Pernalta vê a festa de cima

A advogada Gabriela Ponte Machado, de 38 anos, queria participar mais do carnaval, mas se considerava “musicalmente ruim”. Isso não a impediu de fazer a festa no bloco Confraria do Pasmado – ela desfilou no domingo passado do alto de suas pernas de pau. Para virar uma pernalta, fez uma oficina e garante que estar sobre duas hastes de 80 centímetros de altura é questão de treino.

“Demora para entender como seu corpo tem de se movimentar naquela altura, como faz para ficar segura, mas existe a parte de ter consciência corporal. Depois que incorpora, consegue seguir em frente mais fácil”, diz ela, que passou sete horas, quase ininterruptas, em cima das pernas de pau – pausa só para ir ao banheiro. Gabriela se preparou também para entender como se portar em meio aos foliões que ficam lá embaixo. “Precisa se proteger e proteger outros pernaltas e as pessoas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.