BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Elmer Vicenzi, defendeu, em entrevista à reportagem, mudanças no sigilo de dados educacionais, pivô de uma disputa que resultou em sua demissão na última quinta-feira (16).


Segundo ele, o órgão está preparado para a realização do Enem e do Saeb, avaliação federal que compõe o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), apesar das demissões recentes.


Delegado federal, Vicenzi ficou menos de um mês no cargo. Ele foi o segundo chefe do Inep escolhido e demitido no governo Jair Bolsonaro (PSL). É a primeira baixa na gestão do ministro Abraham Weintraub. O servidor Alexandre Lopes, que atuava na Casa Civil, foi anunciado como substituto.


Vicenzi não quis comentar os detalhes de sua saída. “Houve um desalinhamento com a procuradoria [do órgão]”, disse. A procuradoria havia produzido parecer contrário ao plano de liberar o sigilo de bases de dados com informações pessoais de estudantes da educação básica e superior —o que desagradou Vicenzi.


O governo tem insistido na abertura dos dados para viabilizar a criação de uma carteirinha de estudantes. Como a Folha de S.Paulo revelou, a carteirinha foi pensada como uma estratégia para esvaziar recursos de entidades estudantis, como a UNE, hoje responsáveis pela emissão desses documentos.


Vicenzi diz que há divergência jurídicas sobre o sigilo das bases e que deveriam ser discutidas. “O próprio aluno é que ia poder acessar seus próprios dados para a carteirinha, que é facultativa, sem nada imposto”, disse. “Será que não podemos ter outros usos para essas bases com tantas informações?”, questiona.


A cobrança pela carteirinha veio do MEC. “A carteirinha é uma demanda da Sesu [Secretaria de Educação Superior], não fui eu que criei”, disse.


Apesar de o entendimento sobre maior transparência ser também o do ministério, a forma como Vicenzi lidou com a situação desagradou a cúpula da pasta. Vicenzi demitiu um procurador substituto na ausência da advogada titular, o que fez com que a equipe da Procuradoria ameaçasse abandonar o posto. Nessa queda de braço, Vicenzi colocou o cargo à disposição e acabou demitido.


O governo também pretende usar os dados para cruzamentos com o Bolsa Família, por exemplo. No ano passado, entretanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu uma exigência do TCU (Tribunal de Contas da União) para apresentação de dados dos estudantes para auditoria do programa.


Além desse episódio, Vicenzi havia acumulado desgaste no MEC depois de audiência na Câmara, na semana passada. Ele afirmou que, caso Bolsonaro pedisse para ver a prova do Enem, isso passaria para a análise da AGU (Advocacia-Geral da União).


Vicenzi diz que determinou a implementação de ferramentas que possam dar mais visibilidade e fácil acesso às estatísticas produzidas pelo órgão. “Temos que transformar os dados em conhecimento, com uma apresentação mais inteligível”, diz.


Sobre o Enem, afirma que o contrato com a gráfica só não foi assinado até agora por causa de trâmites burocráticos. A AGU terminou análise da situação só na última quarta-feira, diz ele.


Vicenzi ressaltou que o Inep já trabalha para contemplar os resultados de escolas técnicas no Ideb. Hoje elas ficam de fora do indicador, o que tem causado reclamações de estados que ampliaram sua rede de escolas técnicas. A ideia é não interromper a série história do indicador, mas ter um cálculo extra.


O ex-presidente diz que o órgão discute a criação de novas metas para o Ideb, uma vez que as metas do indicador vão até 2021. O governo pretende traçar inicialmente uma adequação do Ideb ao prazo do PNE (Plano Nacional de Educação), que vence em 2024.


O instituto planeja, segundo Vicenzi, incluir o Brasil em outras duas avaliações internacionais (uma de literacia e outra sobre cidadania), além de incluir simulados do Enem e as próprias pesquisas educacionais produzidas pelo instituto para acesso em um aplicativo.