* Andre Bonat Cordeiro 

Quase no final do ano de 2020, foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei 4253/2020, estabelecendo novas normas gerais de licitações e contratos administrativos. O projeto com a nova legislação depende de sanção presidencial e publicação, para começar a contagem do prazo para sua entrada efetiva em vigor (vacatio legis).

A intenção do legislador foi que o novo texto legal substitua a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), a Lei 10.520 (Lei do Pregão) e a Lei 12.462 (do Regime Diferenciado de Contratações).

Há quem entenda que, depois de muitos anos tramitando no Congresso Nacional, o Legislativo conseguiu, mais uma vez, gerar texto legal defasado da realidade, que manteve grande burocracia e reduzida margem de discricionariedade no curso das licitações para a Administração Pública. Ou seja, seguiu-se imaginando que processo objetivo de licitação terá capacidade de gerar a melhor contratação, o que, como sabemos, não acontece em muitas situações.

Porém, acima de tudo, dentre os defeitos da legislação anterior, foi mantido no novo texto a grande desproporcionalidade entre os direitos e deveres das partes contratantes, que tem origem em momento passado de culto aos “supremos interesses públicos”, que não mais corresponde à realidade e à dinâmica do mercado atual.

Mantida a normatização como foi aprovada pelo Senado Federal, permanecerão intocadas as prerrogativas contratuais das administrações públicas, que lhes asseguram o poder de unilateralmente alterar, rescindir, anular e, em alguns casos, claramente descumprir os contratos, sem que o contratado privado possa suspender suas obrigações contratuais.

Ou seja, a ideia de manter o particular como refém do ente público contratante se manteve inalterada, o que contribuirá, cada vez mais, para afastar as boas empresas privadas das contratações públicas. Em determinados segmentos, é cada vez maior o número de empresas privadas, que detém grande tecnologia e expertise, desinteressadas em contratar com o Estado, por simplesmente ser incompatível – ao ver delas – a desigualdade dos polos contratantes.

A Administração Pública precisa entender que os particulares buscam parceiros contratuais, não patrões!

E o pior disso tudo é que, mesmo aquelas que se mantem participando de licitações públicas, acabam embutindo em suas propostas comerciais todo esse custo gerado pela insegurança decorrente do uso arbitrário destas prerrogativas contratuais pela Administração Pública. Ou seja, onera-se em verdade o contrato público, que não reflete o melhor custo final daquela operação.

O legislador perdeu excelente oportunidade de rever esses pontos, porém, preferiu manter intocada a sacra Administração Pública, que, ano após ano, está cada vez mais defasada e distante da realidade do mercado.

Excluída essa situação, observam-se algumas mudanças pontuais, que podem representar modernização do processo licitatório.

É bom lembrar, inicialmente, que, quando o projeto de lei for sancionado e a lei for publicada, a revogação das Leis 8.666/09, 10.520/2002 e do RDC só acontecerá após decorridos dois anos da publicação oficial desta nova legislação. E mesmo esse período de vacância da lei também não será igual para todos os órgãos públicos. 

Esclarecido isso, um ponto que desperta a curiosidade refere-se à modalidade específica de licitação prevista na lei. A norma criou regras para União, Estados e municípios e previu cinco tipos de licitação: concorrência, concurso, leilão, pregão e diálogo competitivo. Esta última modalidade é inovação que tem inspiração estrangeira e se caracteriza por permitir negociações com potenciais competidores previamente selecionados por critérios objetivos.

Definida como modalidade para contratação de obras, serviços e compras de grande vulto, o diálogo competitivo será aplicado a objetos que envolvam inovação tecnológica ou técnica ou a situações nas quais o órgão ou entidade não possa ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado ou quando as especificações técnicas não possam ser definidas com precisão suficiente. Ou seja, transfere-se ao particular a obrigação de trazer novas tecnologias ao poder público, o que tende a ser produtivo.

Com relação a critérios de julgamento, a nova lei prevê, além de menor preço, melhor técnica ou conteúdo artístico, o maior retorno econômico, o maior desconto e o maior lance.

Entre os trechos modificados pela Câmara no projeto de lei e mantidos pelo Senado estão o aumento do valor estimado para obras e serviços considerados “de grande vulto” (de R$ 100 milhões para R$ 200 milhões) e a mudança no sistema de registro de preços, que será utilizado não somente na modalidade pregão, mas também em contratações diretas e concorrências.

Na fase preparatória da licitação, o projeto de lei inovou em medidas para melhorar a fase de planejamento, enfatizando a necessidade de estudo técnico preliminar, com soluções de mercado na definição de estratégia de contratação.

Já no curso da licitação propriamente dita, a regra geral é a inversão das fases de julgamento e habilitação. Embora não seja algo novo, não havia uniformidade na legislação sobre o tema. Com a nova lei, o processo licitatório será conduzido de forma invertida, o que é positivo, especialmente pela simplificação e redução de demandas judiciais já na fase de habilitação (que, pela Lei 8666/93, é a inicial).

Contudo, também há risco com a inversão. Por exemplo, pode-se imaginar alguma flexibilização maior na análise dos documentos de habilitação, quando a proposta comercial for atrativa e importante para o ente público. Isso deve ser evitado, para que aparente “proposta vantajosa” não se torne caso concreto de “contrato descumprido”.

Algo comemorado e que se espera seja bem implementado centra-se na resolução de conflitos dos contratos administrativos. O novo texto legal previu a utilização de meios ou alternativos de solução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem. O diferencial foi a normatização do Dispute Boards ou comitê de resolução de disputas, instituto defendido há algum tempo pela doutrina (e inclusive em decisões isoladas do Poder Judiciário) como instrumento adequado para destravar conflitos no âmbito de contratos públicos.

Desde que, corretamente utilizado, esse instrumento tende a evitar o agravamento de diversos litígios contratuais e, em alguns casos, inclusive destravar o andamento de contratos públicos.

Conclui-se disso tudo que, mesmo diante de graves e potenciais travas burocráticas que foram mantidas no processo licitatório, a nova legislação possui alguns pontos que podem – se adequadamente aplicados – gerar benefícios, que poderão ser vistos daqui a algum tempo (em vista do período de vacatio legis). 

*O autor é mestre em Direito Empresarial e Cidadania, advogado do Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro Sociedade de Advogados. 


DESTAQUE

Terceiro Setor busca recursos em projetos estruturados e de longo prazo para enfrentar crise da covid-19

Apesar da forte onda de solidariedade por conta da crise provocada pela covid-19, o início deste ano indica queda na tendência de doações consistentes. Conforme levantamento do Monitor das Doações, criado pela Associação Brasileira dos Captadores de Recursos (ABCR), em 2020 foram arrecadados mais de R$ 6,5 bilhões como resposta à pandemia, sendo quase 555 mil os doadores, entre pessoas físicas e jurídicas.

Porém, de acordo com pesquisa DataFolha realizada no final de 2020, cerca de 41% das ONGs temem o enfraquecimento de sua receita, bem como a diminuição no número de voluntários.

Nesse contexto de dificuldades, o principal ativo à disposição das entidades sem fins lucrativos é a capacidade de estruturar programas continuados, que permitam a manutenção de projetos e a captação de recursos para suas necessidades básicas.

“É importante que as organizações mantenham um olhar amplo também para o mercado empresarial, pois há empresas que não foram extremamente afetadas pela pandemia e têm interesse em inovar nesse período de ‘renascimento’ pós-crise”, salienta a advogada e coordenadora do Departamento de Assuntos Culturais e Terceiro Setor da Andersen Ballão Advocacia, Marcella Souza.

No geral, as empresas são os entes mais cobrados pela sociedade quanto à responsabilidade social, ainda mais num momento de crise como o que vivemos. Porém, o período de pandemia despertou uma maior atuação também entre investidores e apoiadores pessoa física. “Essa tendência deve permanecer no longo prazo, e é importante que as entidades estejam atentas a isso no momento de captação”, salienta a advogada. A advogada e consultora da ABA cita ainda os fundos filantrópicos, que crescem no país na área de investimento social como oportunidade para entidades de apoio.

Para aproveitar essas oportunidades, é fundamental atrelar as principais necessidades da organização a projetos específicos, bem estruturados e planejados, que enfoquem o curto, o médio e o longo prazo.

Desde a criação de seu Departamento de Assuntos Culturais e Terceiro Setor, a ABA atende com maior especificidade as demandas de projetos sociais. “Os benefícios da filantropia são revertidos em ganhos para a imagem da marca apoiadora, pois estimulam o engajamento dos colaboradores e a conexão com a comunidade em que a empresa está inserida.” 


A CONDUTA E O DIREITO PENAL

Crianças são as maiores vítimas na pandemia

*Jônatas Pirkiel

    Não obstante as dificuldades que toda a sociedade brasileira passa como consequência da pandemia; vivenciamos situações que não poderiam imaginar até mesmo que ocorressem. Aumenta os índices de violência contra a mulher e, de forma incompreensível até os casos de violência contra crianças e adolescentes.

    O Tribunal de Justiça do Paraná divulgou relatório mostrando que de janeiro a março deste ano nada mesmo que 2.977 crianças e adolescentes foram vítimas de algum tipo de violência. Nem mesmo os recém-nascidos, memores de 1 ano, escaparam deste tipo de conduta criminosa. Foram 220 casos, somados aos 251 contra menores de 14 anos, 331 de vítimas com 15 anos, 342 com 16 anos e 378 casos atingindo os de 17 anos.

    O relatório foi elaborado pelo Comitê Protetivo, do Conselho de Supervisão e Coordenadoria da Infância e Juventude (CONSIJ/CIJ), do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em parceria com outros órgãos do Governo do Estado.  “…A lesão corporal foi a mais registrada, durante o período (3.997), seguida de ameaça (3.931) e estupro de vulnerável (3.829)…”. Aparecendo como dado alarmante que 99% dos casos ocorrem dentro das casas e cometidos por pessoas próximas às vítimas.

    Dentro destas condutas odiosas, os crimes sexuais são também foram registrados, como casos de estupro de vulnerável (3.829), importunação sexual (469), estupro ou atentado violento ao pudor (375) e assédio sexual (211). Segundo a coordenadora estadual da Infância e Juventude, do Tribunal de Justiça: “…A violência sexual é uma situação endêmica, no nosso país. Normalmente, o agressor é muito próximo da criança. Pais, tios, avós ou cuidadores. Isso indica que precisamos trabalhar intensamente na prevenção, porque uma violência sexual, ainda que se faça todo o atendimento após o crime, a vítima tem um prejuízo que se leva para a vida toda…”.

    Curitiba com o maior número de ocorrência nos crimes de violência contra crianças e adolescentes (3.645), seguida de Londrina (1.051), Ponta Grossa (902), Cascavel (732), Foz do Iguaçu (730) e Maringá (587).

*O autor é advogado na área criminal. ([email protected]) 


PAINEL JURÍDICO

Startup I

Mais de 12 mil negócios no Brasil esperam pela aprovação do marco legal das startups. Dentre os tópicos trazidos pelo projeto, dois merecem destaque: a delimitação temporal de 6 anos na inscrição do CNPJ para startups, e faturamento bruto anual de R$ 16 milhões ou mensal de R$ 1,3 milhão.

Startup II

Para a professora de Direito Empresarial e advogada Alexsandra Marilac Belnoski, o projeto apresenta como ponto positivo a promessa de melhoramento do ambiente jurídico para startups, bem como o fomento as inovações no mercado nacional, mas destaca que a exigência de faturamento no importe de 16 milhões anuais exclui muitas startups que de início, sequer faturamento possuem.

Nepotismo

No caso de falecimento do titular de serventia extrajudicial, é ilegal a nomeação do seu filho para responder pelo cartório de forma interina, mesmo que ele seja o substituto mais antigo. O entendimento é da 1ª Turma do STJ. 


DIREITO SUMULAR

Súmula 624 do STJ- É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei n. 10.559/2002 (Lei da Anistia Política). 


LIVRO DA SEMANA

O caminho mais fácil e rápido para o cancelamento das autuações de trânsito são os recursos administrativos interpostos junto à Autoridade de Trânsito e às JARIs. Neste Guia Prático buscamos instruir de forma simples, didática, e, principalmente, eficaz, os cidadãos que foram autuados por infrações de trânsito, utilizando, de forma fundamentada, os caminhos para o deferimento dos recursos interpostos. A intenção é fazer com que o recorrente construa a sua defesa ou recurso, abordando, passo a passo, todas as possibilidades de procedimento e de mérito que servirão de argumento.