Tem sido cada vez mais frequente a exposição de crianças em redes sociais, e os possíveis impactos destas ações sobre seu desenvolvimento cognitivo ainda não foram estudados suficientemente, mas certamente as relações no âmbito das famílias, as modificações nas rotinas domésticas e o inter-relacionamento devem ser bastante alterados por esta prática.

O compartilhamento excessivo da vida familiar, mostrando imagens, roupas, refeições, gracinhas e hábitos se tornou ainda mais comum para filhos de pessoas famosas ou blogueiros populares, tornando quase adultos os seus filhos, com visibilidade e práticas relacionadas ao consumo, não apenas da moda das vestimentas, mas também na forma de viver a casa ou consumir determinados produtos. Famílias, famosas ou não, percebem uma nova forma de dia-a-dia, que modifica sua realidade, que passa a ser vivida no meio virtual, ou seja, uma existência tecnológica, com a internet tornando-se o principal meio de comunicação entre seus membros. O celular, onipresente mesmo nas camadas mais populares, considerado instrumento indispensável na vida doméstica.

Redes assumem hoje importância vital, e as tecnologias de comunicação são amplamente utilizadas em todo o mundo, com aspectos positivos como troca de informações, facilidade de aprender sobre qualquer assunto, propagação de ideias. No entanto basta lembrar que “qualquer assunto” abrange também pedofilia, fabricação de armas, tortura, golpes financeiros vários, para constatar que nem tudo é assim tão positivo.

Inserir uma criança no mundo digital, ou permitir que ela mesma crie suas redes socais, requer acompanhamento constante de suas experiências neste meio, já que com pouca idade a incapacidade em opinar ou definir o uso de informações pessoais pode colocá-la em risco. O exagero de informações sobre crianças e adolescentes pode representar ameaça ao seu direito à vida privada, à imagem, e à intimidade.

São, ademais, variadas as espécies de famílias, muitas baseadas na afetividade e proximidade entre os membros, com grande variedade de constituição: as homoafetivas, monoparentais, multigeracionais, de maior ou menor poder aquisitivo, todas sob forte influência das mídias e tecnologias. Cada uma terá uma forma de interação, mas precisam preocupar-se com a proteção.

Estabelecer uma identidade digital para as crianças, narrar suas vidas, ou ignorar se elas o fazem, poderá causar desconforto futuro, ou mesmo no presente. Usar comercialmente o perfil infantil, com a exploração da imagem e do corpo daqueles ainda imaturos, se por uma lado revela o poder das mídias e do consumo, viabilizando parcerias publicitárias e comerciais, tornando-as as vezes “influenciadores digitais” terá consequência nas formas de relacionamento com outras crianças ou adultos.

Resistir ao sucesso não é simples, mesmo em pessoas com razoável preparo intelectual o impacto da popularidade costuma causar alguns estragos.

A maior parte do entorno familiar de uma criança ainda é constituído por pessoas “que cresceram à sombra”, ou seja, que não estavam expostas a tão intenso escrutínio público. Assim, pais e professores, que cresceram tendo uma existência apenas entre outras crianças, dificilmente podem avaliar o impacto de tanta exposição ao julgamento alheio. A guerra por “likes” pode produzir algumas escoriações na autoestima dos muitos jovens, a crueldade de alguns pode vir cedo demais para quem não tem ainda maturidade e discernimento.

O excesso de vida digital com certeza não é benéfico para a vida real: inatividade resultante de horas ao computador ou celular prejudica a saúde física na fase de crescimento, a interdependência das opiniões alheias não é saudável para a vida psíquica em formação.

Bom senso e equilíbrio também neste aspecto produzirão melhores seres humanos e bons cidadãos.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.