SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O compositor tcheco Leos Janácek (1854-1928) é reconhecido no mundo da ópera como um dos autores mais originais do início do século 20. O auge de sua produção, no entanto, foi tardio. “Jenufa” foi escrita quando ele tinha 50 anos, e só na última década de vida Janácek escreveu suas obras-primas no gênero, entre elas “Kátia Kabanová”, de 1921. Todas têm como motor o amor que ele sentia por Kamila Stösslová, uma mulher casada e quase quarenta anos mais jovem.

As óperas de Janácek são apresentadas com regularidade no exterior, mas por aqui só em 2003 é que “Jenufa” foi estreada no Municipal de São Paulo pelo maestro Ira Levin.

É ele, de novo, o responsável por essa estreia brasileira. Ira explica que, se “Jenufa” ainda tem elementos da ópera romântica, “Kátia Kabanová” é muito mais moderna e pessoal. “Musicalmente, tem muito em comum com Puccini, de quem Janácek era um admirador. Temos harmonias mais brutais, embora também haja passagens altamente líricas”, afirma.

“Jenufa” foi feita no ano passado no Rio de Janeiro, com direção cênica de André Heller-Lopes e Gabriella Pace no papel da protagonista. Eles repetem a dobradinha nessa montagem do Theatro São Pedro.

Kátia Kabanová é uma mulher casada dividida entre o dever social e o amor sensual e que, ao se entregar à paixão, não vê outra saída a não ser o suicídio. “Achei importante que o espectador vivesse a trama com os olhos de Kátia. Embora tenha tons de naturalismo, a montagem dialoga com o expressionismo da época e vai se tornando ambígua com relação ao que é realidade, sonho ou pesadelo”, explica Heller-Lopes. “A ação se passa às margens do Rio Volga e as montagens tendem a enfatizar a presença da água. Não quis ter água no palco mas fazer um mar de flores, um universo suspenso”, completa.

Numa roda de conversa, Gabriella Pace, Luisa Francesconi (a cunhada Varvara) e Cláudia Riccitelli (a sogra Kabanicha) falam sobre as relações que unem as personagens e a questão feminina da obra. Gabriella e Luisa tendem a concordar com a concepção de Heller-Lopes, de que Varvara e Kabanicha seriam, de certa forma, projeções de Kátia. A primeira, seu lado jovem e sensual; e a segunda aquilo que ela acabaria por se tornar caso se deixasse subjugar pelas convenções sociais.

Riccitelli, no entanto, crê que seu personagem segue um caminho oposto ao de Kátia, aceitando as normas e mantendo as aparências. “Às vezes acho que ela manda uma mensagem cifrada para Kátia: ‘comporte-se. Quer ter seu amante? Tudo bem, mas faça quietinha'”.

Elas concordam que a obra levanta questões que continuam atuais, como “a moralidade da traição, que pesa muito mais sobre a mulher”, afirma Gabriella, que diz ser esse um dos personagens mais difíceis de sua carreira. “É uma obra complexa: difícil vocalmente, difícil por causa da língua [é cantada em tcheco] e difícil pela demanda psicológica e emocional”.