*Rafael Ferreira Filippin e Francisco Monteiro Rocha Jr.

A investigação defensiva é uma metodologia para o exercício do direito do cidadão de produzir provas. Esse instituto foi concebido e vem sendo aplicado no contexto do processo criminal, no entanto, nada impede que seja utilizado também no processo administrativo sancionador.

A Constituição de 1988 instituiu as garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa a todos os cidadãos que sejam acusados de qualquer forma, seja em processos judiciais, seja em administrativos, e assegurou os meios inerentes ao exercício dessas garantias, dentre os quais está o direito de produzir provas.

Trata-se de garantias que devem nortear o exercício do Poder de Polícia pelo Estado, que é a fiscalização do cumprimento de padrões que são impostos aos cidadãos no exercício dos direitos de liberdade, de propriedade e de livre iniciativa. Aliás, muitos são os administrativistas, a exemplo de Marçal Justen Filho Lúcia Vale Figueiredo, Emerson Gabardo e Francisco Zardo, entre vários outros, que defendem que os princípios fundamentais da seara criminal devem ser aplicados no âmbito do direito administrativo repressivo.

Na hipótese então de esses padrões terem sido desrespeitados ou ultrapassados (como por exemplo, no lançamento de efluentes com concentrações de poluentes acima dos limites permitidos pelos órgãos ambientais, na comercialização de produtos controlados fora das especificações aprovadas pelas autoridades regulatórias e em muitos outros casos previstos na legislação), o Estado tem o dever de instaurar o processo administrativo sancionador com o objetivo de constatar a efetiva ocorrência de uma infração aos padrões.

Mas ao mesmo tempo, deve permitir ao cidadão o exercício do contraditório e da ampla defesa, assim como tem o dever de decidir pela imposição de sanção administrativa expondo os motivos determinantes que o levaram a concluir dessa forma, a qual, não custa lembrar, também poderá ser utilizada como prova para embasar uma acusação criminal.

Por outro lado, as leis e regulamentos que instituem as infrações administrativas estabelecem também regras para a defesa e a produção de provas em favor do cidadão, cujo ônus é desconstituir a presunção de veracidade do auto de infração emitido. Assim, a autoridade que preside e conduz o processo administrativo sancionador tem o dever não só de decidir de forma motivada, como também o de oportunizar, e não impedir, o exercício do direito do cidadão de produzir provas, mesmo que as normas infraconstitucionais de procedimento não sejam claras a esse respeito, como de fato não são.

Com efeito, faltam regulamentos detalhados nos mais variados órgãos da Administração Pública indicando a liturgia apropriada para a produção de provas pelo cidadão que se defende em tais procedimentos. Além disso, na prática da advocacia o que se constata é um constante cerceamento do direito de produzir provas, em especial as perícias e as coletas de depoimentos, pois as autoridades, não raro, indeferem sua produção por considerá-las impertinentes e protelatórias.

Ao dificultar ou ainda impedir a produção de provas durante o processo administrativo, a autoridade esvazia o direito à defesa técnica, desviando o processo administrativo de seu objetivo que, com efeito, não é necessariamente impor sanção, muito menos a todo custo.

É nesse contexto que o Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB é tão oportuno, pois traça um roteiro claro, e com segurança jurídica, para a metodologia de produção de provas que o advogado pode e deve adotar durante o exercício da defesa técnica do cidadão autuado. Ainda que concebido para as questões criminais propriamente ditas, pode e deve ser aplicado nos procedimentos administrativos.

Assim sendo, a partir do momento em que é constituído, o advogado pode lançar mão da investigação defensiva, para o esclarecimento da veracidade dos motivos determinantes da autuação ou da decisão de imposição de sanção, coletando dados e informações de acesso público, além de depoimentos e de laudos técnicos periciais, valendo-se ainda de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.

A propósito, as provas amealhadas por meio da investigação defensiva podem ser submetidas à autoridade que julga o processo administrativo sancionador e que, por sua vez, deve levar em consideração os fatos comprovados no curso do processo quando motivar a decisão, a qual deve ser necessariamente objetiva, clara e congruente, isto é, deve realizar um silogismo coerente entre os fatos comprovados e a normas jurídicas que instituem as infrações e suas sanções, mostrando a adequação, a proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade do resultado do julgamento administrativo.

Com efeito, a motivação realizada conforme a lei é essencial na medida em que consiste num limite ao arbítrio do poder repressivo do Estado. Assim sendo, a instrução processual, alimentada pelos elementos de uma investigação defensiva, garante mais e melhores indícios ao escrutínio da motivação adotada da decisão administrativa, o que permite verificar, portanto, se o cidadão autuado teve suas garantias fundamentais respeitadas e, também, se o processo administrativo sancionador foi manejado consoante a finalidade prevista em lei e nada além disso.

*Francisco Monteiro Rocha Jr. é professor de Direito Penal da UFPR, doutor em Direito pela UFPR e advogado criminalista. Rafael Ferreira Filippin é doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e advogado das áreas regulatória e ambiental da Andersen Ballão Advocacia.


DESTAQUE

O Direito Autoral e a Propriedade Intelectual

De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, todo criador de uma obra intelectual possui os seus direitos autorais protegidos. Neste momento de pandemia surgem ideias novas, especialmente na área da cultura, que precisam ser patenteadas para garantir o direito dos seus autores.

A advogada Sabrina Rui relata um caso de um cliente que a procurou com uma ideia de realizar um reality show e queria apresentar o seu projeto outros produtores e para as mídias, mas teve receio de ter a sua ideia roubada. Sabrina explica que “No caso apresentado visualiza-se de imediato a necessidade de proteção e regulação do uso e direitos do autor, a fim de garantir-lhe maior segurança à criação. Alguns termos e contratos de confidencialidade, segurança e responsabilidade foram assinados”.

Após esses acordos é possível resguardar-se a titularidade da obra ao seu autor de modo que ao licenciado são concedidos em determinada medida o uso e eventual exploração da obra autoral.

Agora, “Ele pode então divulgar a ideia do reality show para diversas plataformas, garantido judicialmente os seus direitos autorais, e até podendo receber indenizações se caso algum terceiro se apropriar do projeto”, finaliza a advogada.


A CONDUTA E O DIREITO PENAL

Ações que ainda chegam ao STF

*Jônatas Pirkiel

Já falamos aqui outras vezes sobre casos que chegam ao Supremo Tribunal Federal que não deveriam passar da primeira instância. Mas a prática de pequenos furtos, não que não devam sofrer as sanções legais; não poderiam passar de decisões de primeiro grau ou, em última análise, dos tribunais de justiças.

Mas, infelizmente, acabam chegando ao Supremo Tribunal Federal, onde algumas vezes são corrigidas as distorções, outras não. Neste caso, no qual o ministro Dias Toffoli concedeu ordem de “Habeas corpus” (HC 188467), o acusado foi preso em flagrante, no mês de fevereiro deste ano, por furtar dois frascos de xampu, no valor de 20 reais. Em audiência de custódia a prisão foi convertida em preventiva diante de seus antecedentes, todos sem violência ou grave ameaça. Já em junho foi condenado a pena de “…3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão em regime inicialmente fechado e, por ser multireincidente, sem o direito de recorrer em liberdade…”.

Com a negativa de Habeas Corpus pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o caso veio parar no Supremo Tribunal Federal, onde o presidente da “Corte” deferiu Habeas Corpus para determinar a substituição da pena por outras medidas cautelares. Para Toffoli, mesmo que “…a decisão tenha fundamentação idônea, embora a ordem de prisão tenha fundamentação idônea, a imposição das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal (CPP), a serem determinadas pelo juízo da execução, é suficiente para conter o perigo de reiteração delitiva…”.

Não obstante a decisão possa ter fundamentação idônea, e reincidente o condenado, este tipo de crime tem suas condenações substituídas por outras medidas que podem ser impostas pelo julgador a dispensar a segregação corporal. Aplicável aos crimes chamados de “bagatela”, diante do princípio da insignificância. A prestação de serviços comunitários, dentre outras medidas, não só em razão do momento em que vivemos pela pandemia, devem ser adotados para diminuir a população carcerária.

Mas, diante do livre convencimento do juiz e de suas razões ao proferir decisões, temos que admitir que as coisas caminham assim. Sem lembrar daqueles que subtraem milhões da população e são beneficiados com prisões domiciliares, uso de tornozeleira, dentre outros privilégios.


PAINEL JURÍDICO

Nova cédula I
O anúncio do lançamento da cédula de R$ 200 pelo Banco Central repercutiu nos meios jurídicos. Para o advogado Alberto Goldenstein, especialista em Direito Empresarial e Civil, apesar de a nova cédula não induzir ao crime, poderá facilitar a corrupção por meio da ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro e o tráfico de ilícitos, além de dificultar o rastreamento do dinheiro.

Nova cédula II
Vinicios Cardozo, advogado especialista em Direito e Processo Penal, acrescenta que a circulação da nova cédula pode ser uma oportunidade para a atuação de assaltantes e falsários. “A circulação de notas de maior valor acarreta em mais lucratividade com assaltos a caixas eletrônicos e lotéricas, por exemplo, o que indiretamente tende a incentivar a prática destes crimes”.

Bancários
Bancária não tem direito ao recebimento de adicional pela venda de seguros e consórcios, pois essa comercialização é compatível com as atribuições do cargo. O entendimento é da 8ª Turma do TST.

Abandono
É possível a retirada do sobrenome paterno por abandono afetivo e material. O entendimento é da 3ª Câmara de Direito Público do TJ de São Paulo.

Cobrança
Enquanto o processo administrativo estiver em andamento deve ser suspensa a cobrança do crédito tributário pela Receita. O entendimento é do juízo da 12ª Vara Federal de São Paulo.


DIREITO SUMULAR

Súmula 593 do STJ – O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.


LIVRO DA SEMANA

A obra “Jurisdição Constitucional em Perspectiva – Estudos em comemoração aos 20 anos da Lei 9.868/1999”, organizada pelo advogado Clèmerson Merlin Clève e pelos advogados Paulo Ricardo Schier e Bruno Meneses Lorenzetto, está disponível para venda no site da Revista dos Tribunais: https://www.livrariart.com.br/jurisdicao-constitucional-em-perspectiva/p