Em 1774 Johann von Goethe publicou o romance epistolar “Os sofrimentos do jovem Werther”, marco inicial do Romantismo na literatura. Trata da correspondência de Werther com um amigo, na qual trata obsessivamente de seu amor impossível por uma jovem comprometida, e a fixação vai em crescendo até o suicídio do personagem. O sucesso do livro foi devastador, falou-se sem comprovação de uma onda de suicídios entre jovens românticos, mas o que se provou foi talvez a primeira grande moda de comportamentos e vestuários causada por uma obra literária, atitudes românticas tornaram-se quase obrigatórias entre a camada elitizada da juventude e posteriormente nas demais.  

São muitos os questionamentos quando refletimos sobre as crises existenciais dos jovens. Temos já estudos profundos sobre a perspectiva do encontro daqueles em fase de amadurecimento com o contexto social de seu entorno, que se constitui em um processo dinâmico de reconhecimento psíquico, social e político, pois quando o jovem se confronta com acontecimentos exteriores ao seu meio familiar, seu comportamento passa a ter raízes tanto no inconsciente como no seu característico processo de socialização. É da capacidade de imaginar outra vida que extraímos energia para construir a atual cadeia de valores e atitudes com que reagimos aos acontecimentos de hoje, todo ser humano é produto e agente de sua própria história.

Nosso primeiro grupo social é a família, em que estabelecemos as primeiras relações afetivas, e algumas identificações importantes no processo de construção de nossas personalidades; a qualidade dos vínculos construídos na família determina o sentimento de pertencimento, formas de reagir às separações e autoconfiança.

Fora do núcleo familiar, a escola, o trabalho e o grupo de amigos são essenciais como locais de pertencimento e inserção comunitária, e dentre eles a escola se destaca pela fase da vida em que a frequentamos, pois lá, além de desenvolver processos de ensino/aprendizagem, recebemos importantes lições de percepção e construção da cidadania, convivência social e de resposta aos desafios externos. É na escola que passamos grande parte da juventude, que hoje se estende até próxima dos trinta anos, e constitui-se num período da vida de profundas mudanças biológicas, psicológicas, relacionais e sociais; um campo de paradoxos entre destacar-se e ser invisível, competir ou cooperar, ter autonomia ou agradar os professores e mais velhos. Esta é uma época complexa, em que jovens são algumas vezes tratados como crianças, e outras como adultos, sem amadurecer para determinados aspectos, sem gozar do real respeito a que se consideram merecedores.

O fato de que as suas próprias relações amorosas são realizadas muitas vezes nas redes sociais, torna seus relacionamentos assépticos e descartáveis, sem compromisso efetivo de nenhuma das partes, embora paradoxalmente ainda queiram consideração e aceitação pelo outro, mesmo nestas relações superficiais.

Mais tarde, o mundo do trabalho, além de permitir acesso aos bens de consumo, também traz um certo sentido de pertencimento, no modelo econômico dominante estão excluídos aqueles que não podem consumir ou não podem produzir. Num país de profundas desigualdades sociais, muitos jovens precisam assumir a responsabilidade do trabalho em uma época em que apenas deveria preparar-se para a vida adulta, o que é lamentável.

O meio exterior cada vez mais se caracteriza pelo que temos chamado de “sociedade de consumo”, e sua manutenção exige sucesso profissional mesmo que obtido às custas do sacrifício individual, pois ter é considerado mais importante que ser, o que exige investimento ilimitado em nós mesmos, tendo tudo e sendo muito o tempo todo – o que é particularmente nocivo aos muito jovens.

Como alívio cômico um tanto impertinente na tragédia que atinge a Ucrânia, quando Goethe publicou seu romance muitos jovens passaram a vestir-se “como Werther”: calça amarela e colete azul, coincidência que agora constituiria homenagem, adiantada no tempo, às cores daquele país. Embora absolutamente nada disso tenha sido intencional, lembra que os jovens representam a inovação e a esperança, até mesmo em atitudes aparentemente inócuas.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.