Até se tornar uma lenda do futebol italiano, dedicando toda a sua carreira de 20 anos ao Milan, e colecionar títulos importantes, Franco Baresi, de 61 anos, superou vários obstáculos, algo comum na vida de um jogador de futebol. A trajetória bem-sucedida do ex-jogador, capitão do time de Milão por 17 anos e campeão mundial com a seleção da Itália em 1982, servirá de plano de fundo para a gravação do documentário Facing Fate, em que contará histórias de personagens do esporte que se conectam à sua.

Considerado um dos maiores zagueiros da história, Baresi escolheu o Brasil como cenário para as gravações dos primeiros episódios. O périplo do ex-jogador e hoje vice-presidente honorário do Milan começou em São Paulo, onde deu entrevista para promover o documentário, teve uma visita ao instituto de Neymar, em Praia Grande, e ficará completo com passagens por Salvador, Rio de Janeiro, Foz do Iguaçu e Manaus. Nessas cidades, vai conversar com esportistas – um deles um ex-jogador de futebol famoso – que deixaram percalços para trás para brilhar em suas carreiras. Um dos personagens é o skatista Eiki Leiva Martello, de 8 anos. Promessa olímpica, o atleta mirim se afastou das pistas para tratar de uma leucemia. A família fez campanha para arrecadar fundos para ajudar a custear o tratamento do jovem skatista.

Na série documental, criada por Federico Tavola e dirigida por Dayyán Morandi, do Grupo LX, o icônico ex-jogador discute com os convidados problemas comuns aos brasileiros, como dificuldades financeiras e perdas pessoais, a fim de entender o que cada um fez para superar essas atribulações. Seu trabalho envolve mais do que apenas jogadores de futebol.

“As histórias são baseadas na minha experiência. Tive uma infância simples, pobre e humilde, perdi pessoas queridas. Passei por momentos difíceis e consegui superá-los com valores fortes”, explica Baresi em entrevista exclusiva ao Estadão. Durante os encontros, o ex-atleta será convidado a imergir na cultura local, promovendo uma troca de experiências. “São pessoas comuns. A ideia é pegar as declarações e contar como essas pessoas conseguiram passar por essas dificuldades. Onde e o que fizeram para superá-las. Vão contar essas experiências, acidentes, doenças, problemas financeiros e como voltaram a viver bem”, conta.

Baresi quis que a sua história contada em livro biográfico prestes a ser lançado na Itália fosse também abordada no audiovisual em um formato diferente. O autor das duas produções é o mesmo, Federico Tavola. Com episódios de 50 minutos, o documentário será lançado em janeiro de 2022. A expectativa é que ganhe outras temporadas em países da Europa, América Central e Ásia.

Na conversa em um hotel em São Paulo com a reportagem, de pouco mais de 15 minutos, Baresi também falou, naturalmente, sobre futebol. Comentou sobre a seleção italiana, Milan e seleção brasileira e elogiou Neymar. “É excepcional”, diz, sobre o astro brasileiro do Paris Saint-Germain.

Sem acompanhar a seleção brasileira com tanto afinco, Baresi avalia que o time de Tite é “uma boa equipe, sempre competitiva, com jogadores de qualidade e mentalidade forte”. No entanto, fez a ressalva de que, na sua visão, carece de um “atacante talentoso, de nível, forte, como Ronaldo e Adriano (ambos atuaram na Itália)” para jogar perto de Neymar.

Zagueiro de baixa estatura, compensada com talento único, além de “concentração e boa cabeça”, segundo ele mesmo, Baresi foi reserva na conquista do Mundial de 1982, atuou nos sete jogos da campanha do terceiro lugar em 1990 e viu escapar a sua última chance de vencer uma Copa do Mundo como titular ao perder pênalti na final contra o Brasil de Romário e Bebeto em 1994.

Único jogador na história do futebol a ser campeão, vice e alcançar um terceiro lugar em Copas do Mundo, o ex-zagueiro está contente com a evolução da Itália no futebol, que renasceu após fracassos recentes (ficou fora da Copa da Rússia) e aliou a tradicional defesa forte a um jogo mais vistoso, ofensivo, para ganhar a Eurocopa neste ano.

“A Itália teve de recomeçar e Mancini conseguiu formar um time jovem de qualidade, com a mentalidade mais ofensiva, mas sem abrir mão da cultura defensiva”, observa o ex-atleta, que é cauteloso quanto à possibilidade de título na Copa do Mundo do Catar. “Existe um entusiasmo com a seleção. Venceu a Eurocopa e está se preparando para voltar a ganhar um Mundial. Não sei se estarão prontos, mas os jogadores têm consciência da força do time.”

O futebol italiano também agrada a Baresi. Embora o Campeonato Italiano tenha sido enfraquecido com a saída de Cristiano Ronaldo da Juventus, o eterno ídolo rossonero considera que o Cálcio está em ascensão. “O futebol italiano cresceu nos últimos anos com a volta de jogadores campeões. Agora existe na Itália a ideia do jogo ofensivo”, pontua Baresi, que, pelo Milan, ostenta três troféus da Liga dos Campeões e seis do Italiano. Sua carreira vitoriosa e a devoção ao Milan, único clube que defendeu durante duas décadas, fizeram com que a camisa número 6 do time de Milão fosse a primeira a ser aposentada no futebol italiano.