Os bordões eternizados por Tancinha como “olha os melão!” e “não me enche os pacová” estão de volta à faixa das 7. Estreia nesta segunda, 12, na Globo, uma edição especial da novela Haja Coração, de Daniel Ortiz e com direção artística de Fred Mayrink, que foi exibida em 2016. E a Tancinha que retorna à TV é a de Mariana Ximenes, que se inspirou na personagem original, vivida por Claudia Raia, em Sassaricando, de 1987.

“Foi um personagem extremamente afetivo, e eu estava com medo de fazer, porque já tinha sido eleito ícone o personagem feito pela Claudia. Então, quando fui chamada, falei: ‘Uau, será que vou conseguir (risos)?’. Foi um papel muito marcante da Claudia, e somos diferentes fisicamente. Fiquei pensando muito, mas eu também queria criar a minha Tancinha, dar a minha assinatura também para o personagem, e porque a trama foi modificada um pouco, teve uma roupagem mais contemporânea”, conta Mariana, em entrevista ao Estadão, por telefone, de sua casa, em São Paulo, onde passa a quarentena com a mãe.

Para encarar esse desafio, ela lembra que recebeu o apoio de toda a equipe da novela e da própria Claudia, que a considera como uma espécie de filha, assim como outras atrizes de quem foi mãe na ficção, como Paolla Oliveira e Fernanda Souza. Foi na novela A Favorita, de 2008, que Mariana diz ter selado sua “maternidade com a Claudia Raia”. “Num primeiro momento, fui até revisitar um pouco (Sassaricando) para lembrar, porque ficou no meu imaginário, mas não assisti muito na época”, diz a atriz paulistana de 39 anos – e que tinha apenas 6 quando a novela de Silvio de Abreu foi ao ar. “Ao mesmo tempo, não vi tanto também para não me influenciar muito, porque é outra época e eu tinha de buscar fazer a minha Tancinha. A Claudia me falou uma coisa linda e que tomei para mim: ‘Mari, coloca seu coração’.”

Essa construção contou ainda com outros reforços, como o estudo da linguagem peculiar de Tancinha, cunhado sob a influência dos moradores italianos do bairro da Mooca. Mariana teve, inclusive, a mesma preparadora de Claudia Raia, Íris Gomes, para estudar prosódia. “Fiz uma coisa gostosa, e que foi muito valiosa para a construção do personagem, que foi ir para a Mooca. Fui para a feira da Mooca, e fiquei lá umas 4 horas, conversando com todo mundo, pegando informações e entendendo o dia a dia da feira”, diz. “Perguntei para as meninas que trabalhavam na feira onde elas compravam suas roupas. Elas falaram que era no Brás. Aí fui no Brás, comprei uma mala de roupa, e aí a gente começou a formatar com a figurinista da novela, com o diretor, com o autor. A gente começou a pensar no figurino a partir dessa minha experiência na feira. E a própria experiência de estar na feira, de poder ver as meninas da minha idade lá, como elas abordam os clientes, o ambiente da feira, foi muito valioso ter feito essa imersão.”

O tom cômico e leve que conduz a trama rendeu cenas hilárias a Tancinha, algumas beirando o pastelão – como quando ela enfia a cara da mimada Fedora Abdala (Tatá Werneck) no bolo. Sinal de que, apesar de inocente, Tancinha não levava desaforo para casa. “Isso que era uma delícia. Ela subia em cima do caixote da feira e enfiava uma melancia na cabeça do cliente que fosse desrespeitoso. Era muito divertido, mas tudo com uma pureza. Ela tem uma coisa quase de criança. E com muita leveza.” Sem esquecer o triângulo amoroso com Apolo (Malvino Salvador) e Beto (João Baldasserini), pelos quais seu coração fica “divididinho” – e que rende outros momentos engraçados.

Haja Coração, aliás, foi um dos poucos trabalhos de humor na carreira de Mariana. “Se pudesse, faria mais humor. Sempre falei que sou fã de quem faz humor e dos comediantes, porque acho uma coisa dificílima de fazer. E quando fui fazer, confirmei. Mas eu amei, faria mais”, afirma. “Você pode falar tudo através do humor. Fiz uma peça chamada Os Altruístas, quem dirigiu foi o Guilherme Weber. Era uma tragicomédia, tinha um humor ácido.”

E como Tancinha, que adora estar na feira, no meio das pessoas, estaria nesta quarentena? Mariana se diverte com essa ideia. “Como é que seria Tancinha em quarentena, sem poder ir à feira? Não sei… Como é que seria, gente? Será que ela montaria uma barraquinha de máscaras? Iria bater de porta em porta para vender as coisas?”, arrisca ela.

Coletivo

Se para Tancinha a quarentena poderia ser um período de reinvenção, para Mariana Ximenes, esse é um tempo de muito pensamento, mas também muito criativo. “Tudo o que aconteceu me atravessou, e estou traduzindo esse atravessamento de uma forma criativa.” Um dos resultados disso foi a criação do coletivo Cara Palavra, juntamente com Andréia Horta, Bianca Comparato e Débora Falabella. No próximo dia 24, elas estreiam um espetáculo online, com dramaturgia e direção de Pedro Brício, no Teatro Porto Seguro, transmitido remotamente. Os ingressos custam a partir de R$ 20. “Eu nem chamaria de peça, estamos chamando de sarau performático. Escolhemos fazer poesias, estamos fazendo uma curadoria de poetas contemporâneas”, explica Mariana, que, durante a quarentena, se aprofundou na obra da artista Lygia Clark (1920-1988), e vai levá-la para o espetáculo. Elas participarão das apresentações de suas respectivas casas: Mariana, a partir de São Paulo; Andréia, do Rio, e Bianca, dos EUA. Somente Débora estará no teatro.

Mariana participa ainda de outro projeto experimental: a microficção Amor de Quarentena, realizada via Whatsapp, até dia 5 de novembro, com ingressos a R$ 40. Com direção de Daniel Gaggini, traz ainda Reynaldo Gianecchini, Débora Nascimento e Jonathan Azevedo.

E o período de isolamento também é uma oportunidade para a atriz se rever em antigos trabalhos, tão distintos entre si: em Chocolate com Pimenta, no Viva; A Favorita, no Globoplay; e Haja Coração, agora na Globo. “Essa é uma novela que fala de um laço familiar tão importante. É uma família brasileira, que acorda cedo para batalhar na feira, ganha dinheiro honestamente. Então, acho que é uma novela que vem em boa hora”, diz a atriz. “E a Tancinha é esse personagem que é verdadeiro. É bom a gente ter verdade nessa vida. Neste momento então, fica mais evidente isso: a gente valorizar comportamentos como respeito, empatia, solidariedade, sinceridade. São valores que a gente precisa sempre ressaltar.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.