CMC – “Thiago Ferro: u201cu00c9 bizarrou201d”

Em decisão inédita, a 2ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba suspendeu a tramitação na Câmara Municipal do projeto Escola Sem Partido. A liminar concedida pelo juiz substituto Thiago Flôres Carvalho integra mandado de segurança ajuizado pelos vereadores Goura (PDT), Professora Josete (PT), Professor Euler (PSD) e Marcos Vieira (PDT). Enquanto a decisão não for derrubada, o projeto de lei de autoria dos vereadores Thiago Ferro (PSDB), Ezequias Barros (PRP) e Osias Moraes (PRB) não poderá ser votado em plenário. A decisão, da última sexta-feira, é a primeira no País a barrar um projeto ainda em tramitação. Outras decisões já impediram a aplicação do Escola Sem Partido após já ter se tornado lei. 
Ao conceder a liminar em Curitiba, o juiz observou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu “que a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias são princípios e diretrizes do sistema educacional nacional”. 
O advogado Ramon Bevilacqua, que assina o mandado de segurança, lembra que o STF já derrubou legislação vigente sobre o tema em Paranaguá, litoral do Paraná, em junho de 2017. A legislação proibia o ensino e discussão sobre gênero e orientação sexual nas escolas do município. 
“O que está em análise nesta decisão, o que fundamenta, é o vício de iniciativa. Ou seja, o projeto, na verdade, não poderia ter sido proposto por vereadores. E para além disso, existem vícios que são insanáveis dentro do projeto de lei, tais quais foram declarados no Supremo Tribunal Federal na ação que analisou o plano em Paranaguá”, afirma o advogado. 
A liminar aponta que qualquer legislação sobre o tema é de competência exclusiva da União – não de câmaras municipais ou assembleias legislativas. Para Bevilacqua, a decisão pode repercutir em outros legislativos do País. “É a primeira decisão judicial que barra o projeto Escola Sem Partido ainda em tramitação no Legislativo. A gente acredita que assim como ocorreu em Curitiba isso também pode ocorrer em outras cidades e Estados que passem a analisar esse mesmo projeto”, aponta.
Perseguição – Os críticos do Escola sem Partido argumentam que o projeto vai criar um cenário de insegurança para os professores, que não teriam claro o que seria doutrinação, ficando sujeitos a perseguições. Conforme o advogado, a iniciativa de barrar a proposta em Curitiba partiu do magistério municipal, em conjunto com os vereadores, que se reuniram e impetraram esse mandado de segurança. “Os vereadores foram instigados pelos professores, uma vez que a legitimidade processual é dos parlamentares”, explica.
A Procuradoria Jurídica da Câmara de Vereadores deve entrar com recurso para garantir a tramitação e prerrogativa do Legislativo. De todo modo, enquanto a liminar não for derrubada a Câmara não pode votar o projeto. “A Câmara Municipal de Curitiba não foi notificada, mas informa que vai cumprir toda e qualquer decisão judicial”, informou o presidente, vereador Serginho do Posto (PSDB). 
Anomalia – Procurado, o vereador Thiago Ferro, principal defensor do projeto, não atendeu as ligações. Em áudio enviado pela assessoria da Câmara, o tucano disse que “não há qualquer vício formal no processo legislativo”. “Levar o mérito do debate ao Poder Judiciário é impedir que o Legislativo discuta o tema. É uma anomalia no sistema. É bizarro”, disse. O vereador minimiza as críticas ao projeto. “Um cartaz colado nas portas das salas de aula com a menção de que conteúdos abordados devem apresentar aos alunos as ‘principais versões’ sobre a temática é ampliar o conhecimento, é mostrar aos alunos as diferentes facetas das questões políticas, socioculturais e econômicas”, defende. 

Projeto coleciona pareceres contrários de órgãos técnicos
Apesar de pronto para votação, o projeto de lei ainda não havia sido colocado na pauta do plenário pelo presidente da Câmara, Serginho do Posto (PSDB). Enquanto tramitava, a prosta recebeu pareceres contrários de três de quatro comissões pelas quais passou. O projeto prevê a instituição do programa Escola Sem Partido no sistema municipal de ensino. 
A proposta passou pela Comissão de Serviço Público (CSP) da Casa em maio. À exemplo da Comissão de Educação, que em dezembro de 2017 se manifestou contra o projeto, a CSP também deu parecer desfavorável. Mesmo assim, o projeto pôde avançar. 
Respaldo – O primeiro parecer, pela legalidade foi dado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em novembro do ano passado, mesmo após consulta à Secretaria Municipal de Educação dizendo que o projeto “não encontra respaldo na atual política educacional do município”. Apenas essas três comissões deveriam opinar sobre o tema, segundo orientação da Procuradoria da Câmara.
O projeto pretende afixar cartazes nas escolas e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), com deveres dos professores. Dentre outros itens, determina que o poder público não “interferirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos ou permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”.
Entre diversos pontos, a matéria também determina que “o poder público não se envolverá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer o desenvolvimento de sua personalidade em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo” nem “promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas ou partidárias”. 
Manifestações contrárias do Conselho Estadual de Educação, de uma comissão do Senado, do Laboratório de Investigação de Corpo, Gênero e Subjetividades na Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Procuradora-Geral da República (PGR) e do STF foram anexadas ao projeto.

ASSEMBLEIA
Proposta semelhante aguarda aval de comissão

Na Assembleia Legislativa, o projeto Escola sem Partido já passou na Comissão de Constituição e Justiça. Em março, por nove votos a três, os deputados da  declararam a proposta constitucional. Isso significa que o projeto segue tramitando e deve chegar para votação em plenário. O texto repete praticamente o mesmo conteúdo de projetos semelhantes que vêm sendo apresentados por parlamentares evangélicos em câmaras municipais e assembleias de todo o País. A base da proposta foi escrita pelo procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib, fundador do movimento Escola sem Partido. 
A alegação é “combater a doutrinação nas escolas”. Ela estabelece que seria proibido “em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica, bem como a veiculação de conteúdo ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflitos com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.