SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Medidas da Caixa Econômica Federal para estimular a aquisição de caminhões e a insistência da categoria em que haja uma tabela de frete mínimo podem virar um tiro no pé dos próprios trabalhadores, sobretudo os autônomos, apontam especialistas.

Na terça-feira (16), o banco estatal anunciou que financiará 100% da compra de novos caminhões e ônibus por meio de uma linha do BNDES -antes o limite era 80%. Mas o crédito será oferecido apenas para empresas, que são, em geral, transportadoras de maior porte.

Mais cedo no mesmo dia, embora a Caixa negue que haja relação, o governo Jair Bolsonaro anunciou uma série de ações para os caminhoneiros, na tentativa de acalmar os ânimos da categoria e afastar ameaças de uma nova greve.

Entre as medidas, estão linhas de crédito para cobrir gastos de manutenção e troca de pneus, melhorias nas estradas e maior rigor na fiscalização do cumprimento do valor do frete, tabelado desde o ano passado.

Economistas apontam, no entanto, que a demanda por frete ainda está deprimida por uma economia que passou por uma forte crise e não deslancha, e um estímulo para a aquisição de novos caminhões poderia sobreofertar o mercado.

Além disso, o crédito voltado para transportadoras mais estruturadas aprofundaria a concorrência para o caminhoneiro autônomo.

“Nós já estamos com excesso de oferta de frete. Facilitar a aquisição colocando mais caminhões vai agravar o problema”, diz Otto Nogami, professor de economia do Insper.

É um filme que o mercado já conhece. Em 2012, no governo de Dilma Rousseff, o BNDES ofereceu linhas de financiamento subsidiado para caminhoneiros. Quando veio a recessão, a demanda por frete caiu acompanhando a queda nas atividades produtivas, e os caminhoneiros começaram a sentir dificuldade para honrar seus empréstimos.

Parte dos economistas argumenta que essa situação generalizada de descontentamento e endividamento da categoria levou à paralisação de maio do ano passado. 

“É uma medida que pode agradar aos caminhoneiros que estão olhando para a questão do ponto de vista individual. Mas já tivemos programas que estimularam a compra de caminhões no passado e isso contribuiu para a crise pelo excesso de oferta”, diz Armando Castelar, coordenador da área de economia aplicada do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV.  

Bráulio Borges, economista sênior da área de macroeconomia da LCA Consultores e também pesquisador do Ibre, é um dos que contestam a hipótese de que a sobreoferta de caminhões tenha levado à greve do ano passado. 

Para ele, o estopim do movimento foi resultado da combinação de elementos como a alta no preço do diesel -por questões tributárias domésticas, depreciação do real e escalada do petróleo no exterior- e a incapacidade de os caminhoneiros repassarem esse choque de custo para o valor do frete em meio à crise, além de “um governo politicamente frágil e suscetível à pressão de grupos”, afirma.

O economista observa ainda que, entre 2013 e 2016, os caminhoneiros autônomos perderam fatia de mercado, conforme grandes empresas de logística ganharam escala e passaram a operar frotas próprias.

“São caminhões mais novos e eficientes, que consomem menos combustíveis, o que possibilitou contratos de prazo mais longo e com descontos aos clientes”, diz Borges.

Em um ponto especialistas concordam: essa concorrência deve se agravar com a tabela de frete. Os economistas dizem que, com preços regulados, muitas empresas têm colocado na ponta do lápis que é mais vantajoso ter frota própria.

“Se elas estão comprando esses caminhões para contornar o problema criado com o frete mínimo, na verdade estamos colocando pólvora na fogueira”, diz Nogami.

Em 2018, o licenciamento de caminhões novos nacionais cresceu 48% na comparação com o ano anterior, de acordo com dados da Anfavea (associação das montadoras). Mas isso se deu, em boa parte, porque o licenciamento de caminhões pesados -muito ligados às atividades do agronegócio- subiu 86%. No primeiro trimestre deste ano, os licenciamentos de caminhões cresceram 46%, enquanto os de pesados subiram 67%.

Quando as próprias companhias começam a transportar sua produção, caminhoneiros autônomos perdem mercado não só porque ficam sem esse cliente mas também porque são as grandes empresas de logística que têm melhores condições de competir em um setor verticalizado, diz Borges.

“Estamos em uma sinuca de bico. A principal demanda dos caminhoneiros é que a ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres] fiscalize o cumprimento da tabela de frete, mas isso vai levar as empresas a verticalizarem ainda mais a frota. É um tiro no pé dos caminhoneiros autônomos. A frota vai crescer mais, para uma demanda ainda no ritmo de tartaruga da economia brasileira, e os caminhoneiros autônomos vão ter um espaço menor de um mercado que já cresce pouco”, afirma.