CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Quentin Tarantino é o diretor mais mimado do Festival de Cannes. 


Pelo novo filme dele, “Era uma Vez em Hollywood”, a principal mostra de cinema do mundo abriu concessões e deixou de fazer uma sessão matutina do longa, reservada a parte da imprensa, e convocou um porta-voz do evento para ir à exibição vespertina e, diante de mil espectadores, pedir ao microfone que ninguém desse spoilers. Colheu algumas vaias. 


A preocupação do criador de “Pulp Fiction” e “Kill Bill” é que vazasse o desfecho de sua nova trama, que é ancorada em fatos ocorridos no verão californiano de 1969 e traz personagens reais como a atriz Sharon Tate e a seita de Charles Manson. 


Mas, levando em conta os aplausos não muito entusiasmados que o filme recebeu em sua primeira projeção, a preocupação talvez não fosse para tanto. O filme dividiu a crítica segundo as primeiras postagens em redes sociais que pintaram e deve dividir a seita de aficionados no trabalho do cineasta. 


Para os que apreciam a sanguinolência de sua violência estilizada, “Era uma Vez em Hollywood” só engata na reta final. Já os que são fãs daquelas suas frases de efeito de humor duvidoso, do empilhamento de referências pop e do fetiche retrô, bem, esses até que são contemplados.  Para todos os demais seres humanos, ainda existem Jean-Luc Godard, Clint Eastwood e Spike Lee, que não guardam palavras muito bonitas para se referir a Tarantino. 


A história de seu novo filme, o mais aguardado da escalação da atual edição do Festival de Cannes, gira em torno de Rick Dalton, fictício ator de TV decadente vivido com algum brilho por Leonardo DiCaprio, e seu dublê, Cliff Booth, interpretado por um relaxadão Brad Pitt. 


Os dois vivem uma espécie de “bromance” que flutua conforme a carreira do primeiro declina sob as traquitanas de um produtor vivido por um mal-aproveitado Al Pacino. 


Ao lado da mansão de Dalton fica o vibrante lar de Sharon Tate (Margot Robbie) e Roman Polanski (Rafal Zawierucha) –aqui, sim, dois personagens da vida real. A comparação entre os habitantes das duas casas diz algo a respeito de um assunto que Tarantino tateia, mas nunca aprofunda, a ascensão da Nova Hollywood. 


O ano de 1969, quando a trama se passa, sinaliza o auge de grandes transformações no cinema americano. É quando estrelas antigas da indústria, como o caubói John Wayne, e os filmes dos grandes estúdios perdem espaço para a chegada de novos realizadores (como Spielberg, Coppola, Lucas e Scorsese), mais arrojados e mais antenados aos anseios de uma juventude inflamada pela Guerra do Vietnã. No filme, Rick Dalton representa a primeira vertente; Sharon Tate, a segunda. 


Aquele ano também marcou outro evento marcante. Foi quando o psicopata Charles Manson ordenou que seu séquito de hippies apocalípticos fizesse um derramamento de sangue. Mais precisamente, ordenou que entrassem na casa em que Polanski vivia e matassem quem ali encontrassem. O resto é história. 


O diretor reproduz muitos dos detalhes reais do episódio, como o fato de os seguidores habitarem um rancho mantido por um velho cego e as andanças do líder do grupo pela casa em que os crimes ocorreriam mais tarde. 


O universo da indústria do entretenimento é prato cheio para Tarantino se esbaldar naquilo que mais gosta, despejar as referências que fizeram a sua formação cinéfila. No caso, ele inclui acenos ao western spaghetti de Sergio Leone e aos filmes de kung-fu. 


Ele também tem o mérito de recriar a Los Angeles da época e as marquises de neon de seus cinemas de rua, hoje inexistentes. Para isso, fechou ruas da cidade e mandou reproduzir as antigas fachadas porque não queria reproduzi-las em computação gráfica. O esmero é tanto que o fetiche retrô, mais uma vez, serve mais para esconder a inconsistência do resultado. 


Ao final da sessão de gala, que contou com Brad Pitt e Leonardo DiCaprio na fileira de honra, a equipe do filme foi aplaudida por seis minutos -não é pouco, mas é menos do que as obras de Pedro Almodóvar e Terrence Malick receberam por aqui. 


O jornalista se hospeda a convite do festival