BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Para o ex-coordenador da campanha de Marina Silva em 2010, Alfredo Sirkis, Marina Silva seria uma "ótima presidente num regime parlamentarista".

O ex-deputado, que também atuou na campanha da candidata em 2014, mas se afastou dela e não atua em 2018, diz que a ex-senadora (que ele já disse em 2017 não ter "aptidão ou apetência" para a função presidencial) seria a "mais talhada" para o papel de "chefe de Estado", mas enfrentaria dificuldades no presidencialismo de coalizão.

Em entrevista feita na quarta-feira (5), ele, que foi da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), grupo de esquerda que atuou na luta armada durante a ditadura, diz ver risco à democracia e possibilidade de "Fujimorização" do Brasil caso o deputado Jair Bolsonaro chegue à presidência. "O Fujimori [ex-ditador do Peru] foi eleito e depois falou 'não dá para governar esta porra' e recorreu às Forças Armadas para fechar o Congresso. Isso pode acontecer no Brasil, certamente", afirma.

Coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança Climática desde 2016, ele defendeu que questão climática deve ser tratada sem "esquerdas e direitas".

 

Pergunta – O sr. participou das campanhas de Marina Silva em 2010 e 2014, mas nesta não. Se a eleição fosse hoje, em quem votaria?

Sirkis – A Marina é certamente a que tem maior afinidade programática com o que eu penso, e acho que ela seria uma ótima presidente num regime parlamentarista. Na figura de chefe de Estado, que é a garantia das instituições, o símbolo de um país em termos internacionais, eu vejo ela como a mais talhada para isso. Num sistema de presidencialismo de coalizão, o presidente tem que estar na primeira trincheira, tendo que negociar no varejinho, com cada um dos 513 deputados coisas fisiológicas. Mas o meu problema nessas eleições é que eu vejo um risco enorme para a democracia. E acho que o Bolsonaro [capitão reformado Jair Bolsonaro, candidato do PSC] é muito mais sintoma do que qualquer outra coisa. Tem essa pulverização absurda, então eu acho que a questão da governabilidade é muito importante, e também barrar o caminho à extrema direita, que seria praticamente uma volta ao regime autoritário pela via das urnas.

 

O sr. vê possibilidade de ruptura da ordem democrática?

Sirkis – Há uma possibilidade de "fujimorização" do Brasil. O Fujimori [Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru na década de 90] foi eleito e depois falou: "não dá pra governar esta porra" e recorreu às Forças Armadas para fechar o Congresso. Isso pode acontecer no Brasil, certamente. Porque um presidente com posições extremadas não tem condições de governar democraticamente o Brasil, que já é quase impossível de governar de qualquer maneira. Um sujeito sem base parlamentar e posições extremas, a tentação de um autogolpe vai ser muito grande. Então, na verdade, eu estou indeciso entre três candidatos, Marina, o Ciro Gomes, e o Geraldo Alckmin (PSDB), que é um presidente contra o qual estaríamos bem [risos].

 

O sr. cita a Marina, mas em 2017 afirmou que ela não tinha "nem a aptidão nem a apetência" para o exercício do poder presidencial.

Sirkis – Teremos que pensar numa forma de, caso ela seja eleita, propor uma reforma instituindo o parlamentarismo. Por que ele seria uma solução? Porque passaria a pairar sobre o Congresso a espada de Dâmocles [história com apelo moral sobre uma espada pendurada por um fio de rabo de cavalo a ameaçar a integridade de Dâmocles] da dissolução. Então o presidente fica ao abrigo, não na primeira linha de fogo, mas com poderes consideráveis. Isso que vai dissuadi-los de terem o comportamento chantagista sistemático que têm com o presidente da República, porque estão muito seguros do mandato por quatro anos. Se o presidente pode dissolver o parlamento, eu acho que os parlamentares passam a ter responsabilidade pela governabilidade e a governança do país.

 

Mas nós temos um regime presidencialista. O sr. acha que o primeiro ato de Marina, se eleita, deveria ser uma proposta de instituição do parlamentarismo?

Sirkis – A primeira coisa que qualquer um dos candidatos que seja eleito que tenha um pingo de juízo e tenha acompanhado minimamente a história do Brasil nos últimos 20 anos deveria fazer seria isso.

 

No campo ambiental, o Fórum Brasileiro de Mudança Climática defende que as emissões de carbono sejam zeradas até 2060. Como seria feita essa redução?

Sirkis – Você tem formas diferentes de chegar às metas. Nós analisamos dois cenários, um em que praticamente todas as fichas estão na redução do desmatamento e ações ligadas ao uso da terra, e, outro, em que você já tem um esforço significativo de redução de emissões por queima de combustível fóssil, sobretudo no transporte. E esse segundo é o que a gente recomenda, porque ele não só é mais compatível com uma estratégia de longo prazo, como ele também tem uma série de efeitos colaterais positivos no meio ambiente local, dinamiza melhor economia.

 

Essas propostas têm sido entregues aos presidenciáveis. Como tem sido a recepção?

Sirkis – O primeiro a receber foi o Álvaro Dias [Podemos], depois a Marina Silva [Rede] e o Geraldo Alckmin [PSDB]. Estou tentando marcar com o Ciro Gomes [PDT], com o Boulos [PSOL], querendo marcar logo com o Haddad [PT]. E, evidentemente, se coloca o problema do Bolsonaro, que anunciou que vai sair do Acordo de Paris. Mas nós estamos dispostos a dialogar com todo mundo, para mostrar que os candidatos mais identificados com a direita que a questão climática não é uma questão de esquerdas e direitas. Na Europa, por exemplo, a direita tem uma postura extremamente preocupada com as questões climáticas, a Angela Merkel [chanceler da Alemanha], da Theresa May [primeira-ministra do Reino Unido]. As questões climáticas têm que ser um consenso: ou fazemos isso ou condenamos nossos netos e bisnetos a um inferno na Terra.

 

Como governar de maneira sustentável com o lobby da bancada ruralista, uma das mais fortes da Câmara?

Sirkis – A atual bancada ruralista não representa os interesses da moderna agricultura brasileira. Há uma representação desproporcional de interesses que estão aí no limite da criminalidade, como especulador de terreno, gente que desmata pra poder vender e especular, ou o desmatador ilegal, que corta árvore para vender madeira ilegalmente. Esses grupos representam os cabos eleitorais que conseguem os 500 votos que o cara precisa numa localidade, os 300 na outra. O setor mais dinâmico, internacionalmente conectado da agricultura brasileira, tem consciência de que a ação desses interesses é prejudicial, porque cada vez mais o mercado internacional vai querer saber a origem dos produtos. O problema é que eles são meio intimidados por esse outro segmento. Mas na questão climática propriamente dita, há lideranças do setor com as quais a a gente tem divergências em outras questões têm uma postura mais aberta quando se trata de clima, como por exemplo o Blairo Maggi [ministro da Agricultura], a Kátia Abreu [senadora pelo PDT-TO, candidata a vice de Ciro Gomes].