PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, saiu vitoriosa, na noite desta quarta-feira (12), de um desafio a sua condição de líder do Partido Conservador imposto por seus correligionários, o que lhe dá um alento após uma sequência de fracassos.

Para derrubar a moção de desconfiança por 200 votos a 117, entretanto, a chefe de governo precisou dar uma cartada alta.

Em reunião a portas fechadas com seus colegas de partido, anunciou que não pretendia estar à frente da legenda em 2022, quando devem acontecer as próximas eleições gerais -se não houver antecipações, o que é relativamente comum na política britânica.

Segundo a imprensa local, a sinalização foi recebida com alívio pelos parlamentares mais ariscos a May e tristeza pelos mais alinhados. Mas os dois lados teriam sido pegos de surpresa pela notícia.

A consulta interna sobre a liderança conservadora acontece sempre que um comitê do partido recebe no mínimo 48 cartas de parlamentares questionando a capacidade do(a) atual chefe de fileira de seguir na posição.

O responsável por esse colegiado afirmou na manhã desta quarta que o piso numérico, equivalente a 15% da bancada conservadora no Parlamento, havia sido atingido.

No caso de May, o que um contingente robusto de colegas “tories” (como são conhecidos os conservadores britânicos) critica é a forma como ela conduziu as negociações com a União Europeia para o “brexit”, o desligamento do Reino Unido do bloco continental.

O divórcio foi decidido em plebiscito realizado em junho de 2016 e deve se concretizar em 29 de março de 2019. Uma fase de transição que em grande parte mantém intacto o status quo da relação vai até o fim de 2020 (com possibilidade de extensão).

Para a ala que defende uma ruptura mais radical com a UE, May se apequenou nas conversas com seus homólogos europeus e, com isso, o Reino Unido continuará submetido a normas e legislações coletivas das quais o voto majoritário no “leave” (sair) pretendia libertá-lo.

O principal ponto de atrito é o dispositivo que prevê a instauração temporária de uma zona aduaneira reunindo UE e Reino Unido após o “brexit”, caso não seja encontrada outra solução para o não fechamento da fronteira entre a República da Irlanda (que faz parte do bloco europeu) e a Irlanda do Norte (integrante do Reino Unido).

O que todos querem é evitar reacender as disputas no Norte entre unionistas (pró-Londres) e nacionalistas (partidários de uma só e grande Irlanda), que deixaram alguns milhares de mortos e estão apaziguadas há 20 anos, desde a assinatura de um acordo.

A facção mais eurocética do Partido Conservador, porém, teme que a zona tarifária comum vire um arranjo permanente, uma “armadilha” europeia visando a minar os diferenciais competitivos de um país então recém-“alforriado” do fardo legal, trabalhista e ambiental da UE. O grupo acha que Londres não saberá ou não terá meios de se desvencilhar da arapuca.

Antes da vitória desta quarta, que a blinda de novas contestações por um ano, Theresa May acumulou reveses nas últimas semanas.

Quando anunciou a conclusão das conversas com a UE, em meados de novembro, viu ao menos cinco de seus ministros abandonarem o barco por se negarem a defender os termos do texto acordado.

Com o documento referendado por líderes europeus, a primeira-ministra iniciou a “operação-charme” doméstica, mas a empreitada não surtiu efeito. Na segunda (10), véspera da votação do acordo pelo Parlamento britânico, antevendo uma derrota humilhante, o governo tirou o item da pauta legislativa.

Adiada a sessão parlamentar, May embarcou em uma “turnê europeia” com escalas em Haia, Berlim e Bruxelas, esta sede da governança europeia. Queria mais garantias de que a união aduaneira seria um recurso extremo -e que, se eventualmente tivesse de ser utilizado, vigoraria por tempo curto, limitado.

Ouviu de todos os interlocutores que não havia margem para emendas aos textos aprovados -tanto o acordo para saída do Reino Unido quanto a mais sucinta declaração política sobre as linhas mestras da relação futura entre as partes. Cruzou de volta o Canal da Mancha sem ter o que oferecer ao coro de descontentes, que se avolumava.