A Agência America de Administração de Drogas e Alimentos – FDA- acaba de recomendar aos médicos maior rigor na prescrição de analgésicos narcóticos, também conhecidos como opióides, e tranquilizantes que estão gerando uma onda de mau uso e vício. Especialistas estimam que mais de 100 mil pessoas morreram na última década, por overdose envolvendo estas drogas.

No Brasil a situação não é diferente. A transformação de problemas sociais em supostas doenças vem trazendo problemas à saúde da população, com excesso de medicação e graves consequências pelos efeitos colaterais. É a Medicalização que, segundo especialistas, precisa ser combatida.

Segundo Peter Conrad, sociólogo americano, “Medicalização” é o processo pelo qual diferentes problemas passam a ser vistos como do âmbito da medicina, usualmente descritos em termos de transtornos e doenças. Isso quer dizer que a própria transformação tecnológica da medicina amplia o alcance de diagnósticos médicos, classificando cada vez mais pessoas como doentes. Às vezes isso pode ser eticamente justificável; entre 1981 e 1983, foi criado um novo diagnóstico médico, o de Aids, e a partir desse diagnóstico toda uma engrenagem de investigação foi montada, o que resultou em meios eficazes de prevenção e tratamento. Mas em muitas outras situações esse processo se revela danoso por causar transtornos à vida de pessoas indevidamente classificadas como “doentes” por uma extensão excessiva de um critério diagnóstico ou mesmo pela invenção de doenças sem correspondência razoável com fenômenos observáveis.

Isso se dá, por um lado, pela pressão de interesses econômicos, uma vez que vários testes diagnósticos ou tratamentos passam a ter um mercado maior do que aquele que teriam sem a invenção ou exagero nas classificações de doenças. Por outro, a transformação de problemas sociais em supostas doenças obscurece as relações injustas que levam as pessoas a sofrer, fazendo crer que tudo se resolve tomando algum tipo de remédio – com frequência, vitaminas e calmantes, por exemplo.

Os exemplos são muitos, como o número exagerado de cesarianas que se faz em nosso país, a frequência também exagerada com que se diagnosticam casos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou mesmo de depressão, ou a enorme quantidade de pessoas que tomam cronicamente tranquilizantes. As consequências são óbvias; a multiplicação de intervenções desnecessárias expõe as pessoas a riscos aumentados de efeitos colaterais, e deixa-se de enfrentar problemas prementes, de habitação, emprego, da vida, enfim, que certamente não se resolvem tomando mais uma pílula. Mas mesmo com a pressão avassaladora da medicalização há resistência, e por vezes bem-sucedida. Durante muitos anos a homossexualidade foi classificada como transtorno mental, e foi a pressão organizada do ativismo gay que levou ao reconhecimento desse erro, e que permite hoje em dia resistir aos que tentam impor “curas gays” como se fossem formas legítimas de tratamento.

O estudo da medicalização, portanto, é uma questão fundamental para a saúde da população, e será um dos principais temas do VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, de 14 a 17 de novembro, na UERJ- Universidade do Estado do Rio de Janeiro, organizado pela ABRASCO- Associação Brasileira de Saúde Coletiva.