O Mercado da Lapa comemora 65 anos neste mês de agosto. Originalmente, o local se chama Mercado Municipal Rinaldo Rivetti, mas é mais conhecido como Mercado da Lapa. Quem passa pela Rua Herbart-47 e se depara com o estabelecimento, pode não fazer ideia das muitas histórias vividas em um dos pontos mais tradicionais da zona oeste de São Paulo.

Erguido entre a estação Lapa da CPTM, o terminal de ônibus e a Rua Doze de Outubro, famosa pelo comércio popular, o Mercado da Lapa conta com 700 funcionários e recebe diariamente 5.000 visitantes em busca de uma enorme variedade de produtos, que vão de bebidas, queijos e vinhos de diversas procedências, tabacaria, até ervas medicinais, temperos e especiarias, conservas, pescados, frutos do mar, carnes com cortes especiais. Há também produtos de decoração, utensílios domésticos, artigos religiosos, produtos para pets.

Ao contrário do Mercadão com forte apelo turístico, e do Mercado de Pinheiros com uma pegada mais gourmet, o Mercado da Lapa sobrevive aos modismos da capital paulista e se destaca por sua tradição. Quem trabalha lá, se conhece desde criança. E todos convivem como se fossem uma grande família.

Em meio a tantas histórias, o Mercado da Lapa tem um capítulo especial na vida de Marli Agostine, 65 anos e do marido Carlos Agostine, 70 anos. Eles se conhecem há 56 anos e a história começou no mercado. “O pai dele era freguês dos meus pais, que tinham uma barraca de frutas. E quando ele vinha na loja, me olhava e dizia que eu iria ser sua nora quando crescesse. Eu dizia que ia ser freira, mas a vida resolveu mudar esses planos”, conta.

De cliente a proprietário, Carlos Agostine relembra detalhes de como o casal se conheceu e conta que o estabelecimento sempre fez parte de sua vida. “Eu ia com meus pais no Mercado da Lapa aos fins de semana e também passava depois da escola para comprar frutas. Até que um dia, o avô dela brincou comigo e disse que era para vir no sábado que ele iria me apresentar a neta dele. No sábado, o primo dela me avisou que era o aniversário dela e que ela gostava de música. Comprei um LP de músicas românticas e depois disso, ela se apaixonou e não me largou mais. Os namoros naquela época eram bem diferentes. Já são 56 anos de história”, conta.

Ela tinha apenas 14 anos quando seu pai disse que ela podia namorar Carlos, que iria ingressar na Academia da Aeronáutica. “Nós ficamos três anos sem nos vermos com frequência. A gente só se via na Páscoa, Dia das Mães e férias. A gente se comunicava por carta.”

Depois que finalizou o curso, Carlos voltou para São Paulo em busca de um emprego, pois eles pretendiam casar. Ele conseguiu uma vaga em uma empresa. “Em 1972, casamos e nessa trajetória de 19 anos na multinacional, eu conquistei a nossa casa e aumentamos a nossa família, tivemos dois filhos. Lá eu alcancei muitos objetivos, conquistei muitos postos no decorrer do tempo, as crianças estavam crescendo e tínhamos estrutura financeira melhor.”

Ao deixar a multinacional, Carlos resolveu ajudar a tocar a banca da família da mulher. Mas a adaptação à nova rotina foi difícil, por conta da jornada longa e pesada de trabalho. “Quando saí da multinacional, a minha transição para o mercado foi difícil. Mas, com a ajuda dela, tudo deu certo. Engrenamos, tínhamos uma lojinha menor e agora temos uma maior. Já são 23 anos. Saio cedo para buscar os produtos fresquinhos no Ceasa, venho para o Mercado. Ela abre o box, preparamos e vendemos os produtos até sete da noite e depois ainda fazemos a contabilidade em casa.”

Marli fala com orgulho sobre o fato de ter continuado à frente dos negócios da família. “Meu pai sempre dizia que era preciso fazer faculdade e, caso não conseguisse um emprego, o mercado sempre estaria de portas de abertas. Eu estudava e vinha para o Mercado depois da escola. E com os meus filhos não foi diferente. O meu filho Carlos Eduardo começou a ajudar meu pai com 12 anos. A ideia era que ele não ficasse na rua depois da escola”, diz Marli.

Emocionado, o filho, Carlos Eduardo de Carra Agostine, 46 anos, se diz honrado por ter dado continuidade à tradição da família e de trabalhar no mercado. “Meu avô foi um segundo pai. Foi tudo na minha vida. Ele era muito correto, um homem fantástico.”

O box, que começou como uma loja de frutas, hoje dá lugar a uma lanchonete. “A modernização do bairro influenciou no dia a dia dos comerciantes. Quem freqüentava o mercado antigamente se deparava com diversos estabelecimentos de frutas e legumes. Mas, com o surgimento dos supermercados, isso mudou e todos tiveram que se adaptar”, conta.

História

Até o final do século 19, o bairro da Lapa era composto por fazendas habitadas por imigrantes europeus, e não fazia parte da cidade de São Paulo. Somente em 1925 é que a Lapa ganhou o status de zona urbana.

O crescimento da capital paulista foi acompanhado de uma expansão comercial. O Mercado da Lapa foi um dos primeiros mercados municipais de bairro com edifício projetado especialmente para a função. Casas e terrenos que existiam no local foram desapropriados para a realização da obra.

As obras começaram em dezembro de 1951 e o mercado foi inaugurado em 1954 como parte das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo.

Na inauguração, apenas 40 dos 160 boxes planejados estavam prontos, ocupados em sua grande maioria por imigrantes europeus, donos de comércios de um mercadinho extinto na Rua Clélia. O pai de Marli, Liberato de Carra, foi um dos fundadores do local. “Meu avô trabalhava no Mercado Central e ficava muito longe ir da Lapa até lá. Como surgiu o Mercado da Lapa, ele e meu pai optaram por comprar um box aqui, por conta da praticidade. Ele viveu aqui até seus últimos dias”, conta, emocionada.

O Mercado é tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp).

Em 2018, a Prefeitura de São Paulo realizou obras de revitalização no entorno. A obra era uma reivindicação dos moradores e da Associação dos Comerciantes do Mercado da Lapa, que durante muitos anos sofreram com as enchentes que atingem a região.