SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após percorrer de moto o trajeto entre São Paulo e Machu Picchu, no Peru, a tradutora Rosa Freitag, 49, precisava colocar sua companheira de viagem em dia. O percurso desgastou peças que precisaram ser trocadas.


Como costumar viajar sozinha, ela quis estender a mesma autonomia aos consertos da moto, e decidiu fazer um curso de mecânica. “Comecei a ficar amiga da mulher do mecânico de tanto que ia na oficina, então decidi aprender”, diz ela.


O problema era o lugar. Como a garagem de sua casa está mais para estúdio de música do marido, que usa o cômodo para ensaiar com sua banda de rock, Rosa procurou a solução fora. Resolveu a questão quando ficou sabendo de uma oficina de motos que funciona como uma espécie de coworking [escritório compartilhado].


Assim como a oficina onde costuma ela passa as tardes entre ferramentas e peças de motos, localizada no bairro da Saúde, na zona sul de São Paulo, há uma série de estabelecimentos em São Paulo que abrem as portas de ambientes antes restritos aos mecânicos para donos de motocicletas.


Foi em um deles, com base na filosofia “faça você mesmo”, que ela descobriu sozinha o motivo de a bateria de sua moto descarregar com frequência, desafio que outros mecânicos não conseguiram solucionar. “Tive que desmontar ela inteira. Fiquei com medo de ter esquecido um parafuso, mas deu certo.”


Na maioria desses endereços, caixas de ferramentas e peças automotivas dividem espaço com lanchonetes e bares. São poucas, porém, que abrem espaço para clientes se tornarem mecânicos por uma tarde. A maior parte oferece atrativos enquanto os donos das motos esperam os serviços em suas motos serem concluídos.


Apesar de reconhecerem que a venda de comida e bebida atrai clientela, os donos dos estabelecimentos dizem se preocupar com a proximidade entre bebida alcoólica e direção disponibilizada pelo modelo de negócio.


“É todo mundo adulto. Eu desisti de convencer [cliente] a deixar a moto após beber”, diz o empresário Alexandre Zanon, dono da Rockers Moto Self Garage, oficina frequentada por Rosa. “Muita gente passa o sábado na oficina. Presencio vários ‘momentos Doriana’, em que o pai leva o filho para lavarem a moto juntos”, conta.


Zanon diz que costuma receber festas de aniversário e shows de música ao vivo no espaço da oficina, mas decidiu terceirizar essa parte do negócio porque é incompatível com a oficina. “É complicado, tudo tem que ser gourmet hoje em dia”, diz.


Ele teve a ideia de negócio há cerca de dois anos a partir de uma necessidade própria. Assim como Rosa, o empresário não tinha um lugar apropriado onde pudesse mexer em sua moto. “Fazia na garagem do prédio, só que a luz automática ficava apagando toda hora, e eu precisava fazer uma micagem qualquer para acender de novo.”


Dono de “cinco ou seis” motos, o dono da oficina conta que pilota desde os 14 anos e sempre desmontou e montou “seus brinquedos”, mas nunca foi mecânico profissional. Era produtor de eventos antes de abrir o estabelecimento.


Outro empresário do ramo, Sergio Stern, 45, percebeu que juntar comida e bebida com oficina de motos dava certo ao ver 70 delas estacionadas em frente ao seu estabelecimento em um feriado, quando contratou food trucks e uma barbearia para atender os clientes. “A pessoa traz a moto para lavar e, enquanto espera, almoça”, diz ele, que serve feijoada aos sábados na Vapor Garage, na zona sul de São Paulo.


O empresário diz que tenta conscientizar os clientes, “a maioria com perfil de pai de família”, sobre o perigo de beber e dirigir.


“Zelamos muito por isso. Temos o hábito de tentar convencer o cliente a deixar a moto e ir embora de Uber quando vemos que está muito ruim”, afirma. “Mas não posso tirar a chave de ninguém”, acrescenta.