SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cidade de Itaquaquecetuba, na Grande SP, é um desafio para pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida. A falta de acessibilidade em espaços públicos e privados impedem que a locomoção seja feita com segurança até mesmo para efetuar tarefas simples, como comprar algo em uma loja.

A aposentada Valdemira Farias Paiva, 52, teve poliomielite aos dois anos e meio e usa cadeira de rodas. Ela mora no bairro Louzada (a 8,6 km do centro) e é obrigada a esperar por atendimento na rua em quase todos os comércios do bairro porque não há acessibilidade na porta e tampouco nas calçadas.

Quando vai comprar algo, Paiva encosta a cadeira na guia, em frente ao estabelecimento, e é atendida ali mesmo. “Não posso comprar um pão porque não consigo entrar em uma padaria e não posso entrar em uma quitanda, tenho que deixar o dono escolher o tomate para mim. A lei está sendo violada”, disse.

Há duas leis que estabelecem normas e critérios para a promoção da acessibilidade (a 10.098, de 2000, e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, lei 13.146, de 2015). Elas dizem que deve-se criar “possibilidade e condição de alcance para utilização com segurança e autonomia de espaços mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação”.

Diz também que a medida se estende a “outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural” e que “cabe aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal, no âmbito de suas competências, criar instrumentos para a efetiva implantação”.

No centro comercial, onde o fluxo de pessoas é maior, as calçadas são acessíveis em alguns pontos, mas a maioria dos comércios ainda não possui acesso adequado, mesmo nas grandes redes como a Marabraz e O Boticário.

Alguns comerciantes ouvidos pela reportagem culparam a largura da calçada que, por ser estreita, dificulta a possibilidade de seguir as normas. “Quando aparece algum cadeirante, levo a mercadoria e atendo na porta”, contou a balconista Beatriz Barbosa, 18, da assistência técnica de celulares MultCell.

“Não consigo ir ao dentista se o consultório fica no piso superior e não tem elevador. Nas lojas térreas, só consigo entrar se tiver acessibilidade ou o degrau for baixo”, explicou a aposentada Marinete Sangy de Almeida, 57, que mora no bairro Estância Guatambu (a 6,4 km do centro).

Almeida também teve poliomielite aos dois anos e meio e ainda tem osteoporose. Ela anda com a ajuda de uma bengala e, mesmo assim, os movimentos são limitados. Qualquer passo em falso pode resultar em uma queda.

O gerente Gilberto Santana, 54, da loja de calçados Darc, da avenida Emancipação, disse que a prefeitura não fez a calçada com acessibilidade. “Estou esperando por isso para tornar a entrada da loja acessível”, acrescentou.

NOS BAIRROS

A situação fica ainda pior nos minicentros dos bairros como o Jardim Caiuby (a 6,5 km do centro), Louzada, Jardim Paineira (a 4,3 km) e Maria Augusta (a 1,8 km).

Alguns estabelecimentos até possuem acessibilidade na porta, mas a maioria não têm calçada acessível. Quem usa cadeira de rodas, divide espaço com os carros.

“Se a prefeitura aplicasse multa pelo não cumprimento da lei de acessibilidade, muitos já teriam dado um jeito de se adaptar, mas nunca passou fiscalização aqui”, comenta Maria de Lurdes Lourenço, 31, proprietária do Hortifrúti da Lú, no Louzada.

Em todos os comércios visitados, a reportagem perguntou se já houve fiscalização da Prefeitura de Itaquá e todos disseram que não.

O locutor Valdeir Ferreira dos Santos, 53, mora no Jardim Napoli I (a 7,5 km do centro), e há seis anos teve três AVC’s e um infarto. Desde então, usa cadeira de rodas. “Mesmo sendo motorizada, tenho dificuldade para me locomover e preciso andar pela rua por conta da situação das calçadas.”

Quando se depara com um degrau alto na entrada de algum estabelecimento, o também aposentado Benedito Aparecido da Silva, 64, que mora na Vila Japão (a 2,2 km do centro) e tem nanismo, pede ajuda ou se ajoelha para entrar no comércio.

“Converso com o gerente ou responsável para melhorar o acesso e falo das vendas que está perdendo por não ter rampa de acesso ou calçadas mais baixas”, disse.

O estudante do ensino médio Fernando Batista Manoel, 40, mora no Jardim Carolina (a 6,7 km do centro) e tem amiotrofia muscular na espinha. Há 25 anos, ele parou de andar. Desde então conta com amigos e com a esposa para ajudá-lo.

“Não dá para andar pelas calçadas por causa dos buracos e desnivelamentos, mas, nos comércios, como tenho ajuda, até que é tranquilo para entrar.”

RAMPA INCLINADA

Alguns comércios possuem rampas, mas não seguem a NBR 9050, norma que dá parâmetros de acessibilidade para edificações e leva em conta a inclinação.

Várias padarias no bairro Caiuby, por exemplo, têm rampas que chegam a 20 centímetros de altura. Para servir de comparação, no Louzada, há um açougue com a rampa que mede cerca de 3 centímetros que Paiva consegue passar facilmente com a cadeira de rodas.

“Tenho medo de cair, já levei muitos tombos”, conta Maninete Almeida, que mora no bairro ao lado.

OUTRO LADO

O vereador Rolgaciano (PODE) disse que a Câmara Municipal de Itaquá tem cobrado da prefeitura a fiscalização de acessibilidade nos comércios e calçadas.

Ele propôs um projeto chamado “selo calçada legal”, que visa padronizar as calçadas do município e torná-las acessíveis, mas a ação não avançou porque os vereadores não podem apresentar projetos de lei que gerem custo ao governo municipal.

“Tenho cobrado para que a prefeitura abra concurso público para fiscais. Hoje, a cidade não deve ter nem 30”, contou Rolgaciano.

Por meio de nota, a Acidi (Associação Comercial e Industrial de Itaquaquecetuba) culpa a gestão Mamoru Nakashima (PSDB) pela falta de planejamento e execução de obras para alargamento das calçadas nas principais vias da cidade.

“A Acidi e seus associados têm feito estudos e projetos para dar mais acessibilidade aos frequentadores da região central, mas a inépcia da gestão municipal impede que setor público e privado convirjam suas ações no mesmo sentido.”

O Boticário alegou, por meio de nota, que “respeita integralmente a legislação brasileira e tem um compromisso com a acessibilidade das lojas de sua rede.”

Disse também que “a marca acionou o responsável pela operação das duas lojas no centro de Itaquaquecetuba, que afirmou estar com um projeto especial para a adequação das construções antigas, anteriores à legislação”. Procurada por telefone e via e-mail, a Marabraz não respondeu.

Já a Prefeitura de Itaquaquecetuba disse, em nota, que “está utilizando os recursos de obras dos governos federal e estadual, priorizando revitalizar passeios, criando acessibilidade e também pedindo auxílio aos comerciantes da cidade para que criem rampas de acesso em frente aos seus comércios.”

A nota diz ainda que “este é um trabalho de conscientização, pois Itaquaquecetuba é uma cidade que não foi preparada ao longo de sua história para atender este público, com calçadas estreitas, pouca acessibilidade e problemas até mesmo com concessionárias de energia que instalaram postes nas calçadas.”

“Diante deste quadro, a administração já tem feito obras de acessibilidade, como lombofaixas e rebaixamento de calçadas.”