No ensino superior e profissionalizante brasileiro é muito comum a presença em sala de aula de pessoas sem formação específica para o magistério: profissionais das áreas dos cursos, advogados, engenheiros, farmacêuticos, publicitários e muitos outros. Quando conversamos com estes docentes, geralmente ouvimos relatos das dificuldades enfrentadas ao início de suas atividades docentes, e o estabelecimento das estratégias para superar a ausência de preparo especial para a sala de aula. Esta é a maneira “clássica” da formação profissional, afinal desde a mais remota antiguidade a forma de preparar um novo trabalhador (nas artes, nas construções, na saúde, no comercio) era o contato extenso do aprendiz com o seu mestre, primeiro como executante de tarefas mais simples e pesadas, e depois como participante e colaborador, até sua aprendizagem ser considerada completa e a capacidade de exercer este ofício atestada.  
Foi a partir de 1980 que tivemos no Brasil o crescimento de estudos abordando especificamente estes percursos de vida, pois crescia uma compreensão mais holística do processo ensino-aprendizagem, em detrimento da dimensão técnica das ações pedagógicas, pois o ser professor passa a ser reconhecido como um pouco mais que mero conjunto de competências e capacidades. Um dos grandes pensadores da área, Antonio Nóvoa, chega a enfatizar a importância de entendermos como cada um se tornou o professor que é hoje, os motivos, e a influência das características pessoais, pois a forma de ensinar parece diretamente dependente daquilo que este ser humano é, já que “é impossível separar o eu profissional do eu pessoal”.
E o que somos é um pouco mais que nossas personalidades, mais até que nossos méritos pessoais, pois vocação, caráter, contexto histórico, ambiente sociocultural e muitos outros fatores interferem na forma como realizamos nossas tarefas, rotineiras ou não. O saber de um professor está relacionado com sua própria identidade, suas características de formação e com a forma como se relaciona com estudantes, colegas de profissão e sua “leitura” do modo de gestão dos dirigentes educacionais com quem convive.
Inteligência, vocação, momento do mundo do trabalho percorrem ao longo tempo um itinerário profissional que pode moldar um novo futuro, em especial em situações instáveis como a brasileira atual. Muitos dos novos professores reproduzem um conceito de que para a docência basta o dom, palavra vinda do latim donu, significando presente ou dádiva; e alguns tem inegavelmente uma capacidade inata para lecionar, porém o grande perigo é ignorar que atributos práticos e teóricos necessários, em planejamento e efetividade, por exemplo, foram e são amplamente discutidos e estudados, garantindo assim valioso auxílio ao “dar aulas”, simplificando tanto a vida do profissional quanto de seus alunos. É preciso que quem assume o magistério não se julgue sozinho, “reinventando a roda”, sofrendo e sendo ineficaz no princípio de suas atividades. Necessário considerar que estes docentes possuem sim uma pluralidade de saberes, um conhecimento específico da sua área técnica ou científica que poucos reproduziriam, e são perfeitamente capazes de promover o próprio crescimento na docência. Refletindo sobre suas metodologias e ações pedagógicas, procurando estudar o assunto, estabelecendo sua identidade como professor, mesmo que tenha se voltado à área pelas características do mercado em outras atividades, possivelmente exercerá com eficiência este novo mister.
Tornar-se professor é assumir uma profissão, com conhecimento específico acumulado ao longo de nosso viver em comunidade, didáticas e práticas melhores estão ao alcance de todo aquele que tiver interesse genuíno pelo sistema educativo e pelo desenvolvimento de seus educandos.
Um país melhor depende muito de bons professores.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.