Franklin de Freitas

Na contramão do que, via de regra, aconteceu no setor de serviços ao longo da pandemia do novo coronavírus, as imobiliárias de Curitiba experimentaram no último ano e meio um período de crescimento. Essa alta na demanda, evidenciada por pesquisas divulgadas recentemente pelo Instituto Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imobiliário e Condominial (Inpespar), reflete dois movimentos distintos. Um deles é a instalação de um ambiente favorável para as vendas. O outro, um nível inédito de negociações de contrato de locação.

Com relação às vendas, em março de 2021 a compra de imóveis usados teve crescimento de 5,4% no Paraná, superior à alta no mesmo período do ano anterior, de 3,7%. Segundo João Felipe Motter Gottschild, presidente da Rede Imóveis, dois fatores contribuíram para isso: a alta na procura por imóveis mais espaçosos (diante das necessidades que surgiram a partir da recomendação de isolamento social) e uma redução nas taxas de juros e financiamento, o que também atraiu investidores.

“O mercado respondeu de forma extremamente positiva na parte comercial. Primeiro, pessoal começou a trabalhar em casa. Um imóvel com dois, três quartos, acabou se tornando pequeno porque agora os pais estavam em casa todo o tempo, as crianças também”, afirma Gottschild. “Outro fator positivo é que as taxas de juros caíram muito. Pessoas que buscam investir não estavam tendo lucros facilmente com bancos, fundos, etc. E o mercado imobiliário sempre foi favorável para quem quer investir com segurança e ter um retorno em longo prazo”, cita ainda ele.

Já no que diz respeito às locações, houve um aumento de desocupações no início da pandemia (principalmente entre os imóveis comerciais), mas os índices de inadimplência não foram tão altos – de 1,5% para os imóveis residenciais e de 3,5% para os comerciais em Curitiba, segundo pesquisa do Inpespar de maio de 2020. No último levantamento do Instituto, em novembro do ano passado, também se verificou um aquecimento do setor, com o número de locações comerciais aumentando 11,4% e o de locações residenciais 11,6% em comparação a novembro de 2019.

Além disso, as negociações passaram a ser buscadas como nunca se viu antes pelos inquilinos, num movimento que reflete a queda na renda das pessoas e também a alta de índices de reajustes, como o IGP-M ((Índice Geral de Preços de Mercado), que até maio último acumulava alta de 37,04% em 12 meses.

“A imobiliária deve entender que não representa o locador nem o locatário e que não deve buscar julgar o valor do aluguel, se está correto. Ela tem de buscar entender o real papel dela para a sociedade, para o mercado imobiliário, que é de ser um intermediador. O locador precisa do aluguel para sobreviver, pagar suas contas, mas o inquilino também está com renda mais curta, precisa negociar. Então tentamos chegar num equilíbrio. A rentabilidade de um diminui, mas se o outro não pagar nada de aluguel também pode ser complicado para o proprietário. Temos de exercer ainda mais a empatia neste momento, se colocar no lugar das pessoas e buscar fazer nossa parte”, diz o presidente da Rede Imóveis.

‘Ou eu como, ou eu pago o aluguel’

Proprietária do salão de beleza Lilly Pink, localizado no Cristo Rei há nove anos, a empresária Maria Santanna conta que esteve perto de rescindir, ainda no início da pandemia, o contrato de locação do imóvel onde está sua empresa. “Ficamos um longo tempo fechados e mesmo quando retornamos o movimento já não era o mesmo. Se eu tivesse de fechar mais tempo, eu preferia entregar o imóvel. Ou como, ou pago aluguel, e entre isso preferimos comer. E aí eu cheguei e falei com a proprietária”, relata.

Diante da situação, uma negociação foi aberta com a proprietária do imóvel, Neuza Carlesse Martins, e a partir dos diálogos foi possível obter uma média geral de descontos de 30,5% em 2020 e de 20% em 2021. “A Neuza viu a situação e também percebeu que não seria uma boa fechar o imóvel dela. Aí começou a me conceder descontos no valor desse aluguel”, explica ainda Maria, comentando que sua empresa ainda luta para sobreviver à pandemia. “O comércio ainda está bem fraco. Estou vivendo de promoções nas quartas e quintas.”

Exercendo a empatia, mas sempre atenta ao momento

Neuza Carlesse Martins, por outro lado, é professora e aposentada e complementa sua renda com a locação de dois imóveis – entre eles o que hoje sedia o salão de Beleza Lilly Pink, em negócio intermediado pela imobiliária Razão (integrante da Rede Imóveis), e um outro onde antes ficava um restaurante, em negócio intermediado por outra imobiliária. Ao longo da pandemia, conseguiu manter um dos negócios alugado e parte da renda entrando graças às negociações. No outro caso, acabou tendo de lidar com um grande prejuízo.

“Temos falado mensalmente e vamos concedendo descontos mês a mês. Estou considerando a questão das bandeiras, o movimento reduziu bastante, também considero que é uma pessoa que sempre pagou certo, cuida bem do imóvel [no caso do salão de beleza]”, diz ela, fazendo ainda um alerta.

“No caso do restaurante, concedi 50% de descontos por uns três meses, o que é bem razoável, mas não me pagaram e ainda devolveram o imóvel em péssimas condições. É complicado. As pessoas devem ficar atentas e em qualquer situação cobrar, inclusive das imobiliárias”, afirma Neuza, que agora encara uma fase de negociações com o antigo proprietário do imóvel onde ficava o restaurante e com essa outra imobiliária (que ela não quis identificar) para ressarcimento do prejuízo.

Desde a semana passada Curitiba está de volta à bandeira amarela, de nível mais baixo de alerta da pandemia.