PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Migrar é preciso. A pesquisadora francesa Catherine de Wenden, especialista em grandes fluxos humanos, pena para entender os espinhos que cercam o debate sobre o acolhimento de migrantes, refugiados e solicitantes de asilo em países ricos.


Diretora emérita de pesquisa no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa em Ciências Sociais), ela estará no Rio nesta quinta (27) para participar do seminário Hospitalidade: entre Ética, Política e Estética.


“A imigração é uma necessidade. Vivemos uma contradição: precisamos de mão de obra –os empregadores a toda hora se queixam da falta de candidatos a vagas–, mas fechamos fronteiras”, diz. “As pessoas sempre se deslocaram, ninguém pode impedir.”


O desafio, segundo ela, é aproveitar essa mobilidade de maneira benéfica para todos os envolvidos: países de origem e destino e, é claro, os viajantes em si.


De Wenden destaca os números de um levantamento recém-divulgado pelo Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). O estudo mostra uma maioria de deslocamentos internos (41 milhões), de uma região para outra do mesmo país, no total de 70,8 milhões de pessoas que estavam longe de casa em 2018 por causa de guerras e perseguições.


“Só 3,5% da população mundial é constituída de migrantes internacionais. As pessoas querem ficar no lugar em que nasceram”, observa a pesquisadora. “Quando cruzam a fronteira, é geralmente para um território vizinho, por questões de língua e cultura, mas também pela expectativa de que os conflitos que as forçaram a sair acabem logo.”


Existe hoje, explica De Wenden, a noção de refugiado não definitivo, diferente daquele que, na época da Guerra Fria, despedia-se para sempre do lar. Essa imigração regionalizada, como ela diz, nem sempre se dá sem solavancos (quem chega não tem muitos direitos e não raro é acomodado em campos distantes).


“Mas há uma reciprocidade, uma empatia, porque, em muitos casos, o lugar de acolhida também já passou por uma crise. É o que acontece com o Líbano, ao receber sírios, ou com Irã e Paquistão, que abrigaram muitos afegãos.”


Quando o acirramento da guerra civil na Síria levou centenas de milhares às portas da Europa (e além), em 2015, os países reagiram de modos distintos, ora abrindo as fronteiras (Alemanha), ora coibindo o ingresso delas com truculência (Hungria e Polônia, entre outros).


Nos meses seguintes, o bloco europeu não conseguiu se entender sobre a distribuição dos recém-chegados pelos 28 países da UE (União Europeia) –a ideia era implantar um sistema de cotas.


Para De Wenden, o comando europeu foi fraco naquele momento ao não aplicar punições aos membros do consórcio que se opunham ao mecanismo.


“Há um bom método de impor coisas, que são os fundos estruturais europeus. Todos os países da Europa central e do leste receberam dinheiro ao entrar no bloco, em 2004, para ajudá-los a desenvolver setores e regiões. Se tivéssemos dito a eles ‘ou vocês aceitam a solidariedade, ou cortamos a verba’, talvez houvesse consenso, mesmo que forçado.”


A pesquisadora vê nessa passividade uma ameaça aos valores da UE.


“Pensamos: coitados, eles [os países do leste] sofreram muito com o comunismo, precisam ter tempo para redefinir sua identidade nacional. Ok, mas eles já tiveram tempo para digerir a entrada na Europa. Agora precisam aceitar o fardo que lhes cabe enquanto membros.”


Apesar de a fase mais aguda da crise migratória ter ocorrido há quatro anos, o tema ainda borbulha no debate europeu –uma pesquisa dias antes da eleição para o Parlamento regional, em maio, mostrou que a imigração era a principal preocupação dos cidadãos que iriam às urnas.


A retórica dos líderes populistas de ultradireita do continente também não se cansa de revirar o assunto.


“Há um problema de educação, de informação. Precisamos introduzir esse assunto na escola, não só na universidade” avalia a estudiosa.


“Existe muita confusão criada para gerar medo. O fato de pesquisas eleitorais e a ascensão da extrema direita serem motores importantes do processo de tomada de decisão em nível europeu faz com que os discursos mais nuançados sejam hoje inaudíveis.”


O colóquio em que De Wenden fala ocorre na Casa de Rui Barbosa e é correalizado pela Embaixada da França no Brasil.