Tita Blister

Eu já estava acostumada com uma reclusão voluntária. De escutar o Dead Can Dance (agora ouvindo The Carnival Is Over), que tem um clipe sensacional de animações estilo caixinha de música e da história de um circo. Não importa, ouço sempre essa banda, porque muito reflete o que eu mesma não entendo.

O que eu quero dizer é que minha reclusão individual na redoma do isolamento social, potencializou minha inércia. Às vezes queria mesmo alguém que testemunhasse que dormi um grande sono, aqueles sem meus remédios e quando fosse acordada do estado onírico, levantaria como uma personagem de Tim Burton: louca, desenhada, gótica desalinhada. Começou agora tocar “The House Of Rising Sun”, versão dos anos 60 com The Animals. Sinto dores nas articulações. Dor de cabeça. Dor de alma.

Ao mesmo tempo que a cabeça corre com mil coisas, e olha, eu faço, eu limpo, eu brinco, eu como, eu durmo…ah como durmo e sempre há sensação de que é insuficiente.

Eu não sou assim, digo para mim mesma. Eu sou uma mulher alegre, engraçada, de sutil deboche. Queria agora um casaco diferente. Queria fazer todas a minhas roupas e de umas amigas também. Minhas mãos doem, meus pensamentos também.

Eu gosto das cores, sim gosto delas espalhadas nas canetas, nas tintas, mas uso preto. Eu gosto de preto. O sol deixa minha pele rosa avermelhada. O choro fácil borra meus olhos de preto. Eu gosto de preto, de sapatos de duende e ter ouvido Knife do Aztec Camera, provavelmente enviado por alguém, digamos, de relevância emocional.

Comento que não tenho forças e me questiono, preciso ter? Eu cuido das crianças e dos animais e dos detalhes no olhar. Eu gosto de pequenos bichos e dos borrões desenhados no céu. Embora não pareça, eu me irrito com a imbecilidade humana e cantada barata, como se eu fosse ceder para um papinho qualquer.

O que me alivia, ou não, é essa fase da quarentena. Não entendo atitudes alheias, não entendo o propósito do presente e nem como será o futuro. Não entender é uma especialidade que os outros sempre tiveram comigo. Agora eu os entendo.