Arquivo Pessoal – : Márcia Széliga ilustrou mais de cem livros de autores brasileiros

Era uma vez… uma bela princesa adormecida por um feitiço que seria quebrado cem anos depois pelo beijo de um príncipe.

O beijo, quando não mencionado nos contos de fadas coletados por Charles Perrault ou pelos irmãos Grimm, pode ser encontrado com frequência em revisitamentos das obras clássicas.

Esse gesto e o sentimento inerente a ele têm originado e estimulado estudos e pesquisas. Uma delas é a da artista plástica, ilustradora e escritora pontagrossense Márcia Széliga.

Com algumas surpresas, Márcia lança oficialmente o livro Beije-me! no dia 20 de novembro, às 15h, no piso térreo da Gibiteca de Curitiba. A obra tem 64 páginas e é toda ilustrada em lápis de cor, sendo que as ilustrações originais estarão expostas no lançamento. Realizado em memória do fotógrafo Mauro Giller, marido de Márcia e responsável pelo tratamento das fotografias, Beije-me! tem também a participação da filha Nicole Széliga Giller na ilustração da contracapa, e o projeto gráfico do filho, o designer gráfico Axel Giller.

A obra faz uma ligação entre algumas histórias populares e essa demonstração de afeto. “Fiquei uns bons meses debruçada na composição dessa construção”, explica Márcia. No roteiro de Beije-me! a princesa beija o sapo e puf! eis um príncipe que manda um beijo para Bela, que sopra um beijo para a Fera e… há toda uma sequência coerente de contos e narrativas.

Para a autora, as histórias infantis permitem alcançar dimensões dela mesma. “É através delas que percorro sentidos, sentimentos, e formas de ver de modo diferente a vida”.

Com diversas exposições coletivas e individuais realizadas no Brasil e no exterior, Márcia também ministra oficinas e cursos de extensão em técnicas de ilustração. Já ilustrou mais de cem livros de autores brasileiros, tendo publicado seis de autoria e ilustração próprias. Formada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, tem especialização em Desenho Animado pela Academia de Belas Artes de Cracóvia, na Polônia.

Acompanhe a entrevista e, se quiser conhecer melhor o trabalho de Márcia Széliga, acesse: https://artessenciastudio.com.br

 

TD – De onde surgiu a ideia de interligar histórias infantis a partir do beijo?

MS – Muitos contos de fadas trazem o beijo como símbolo de quebrar feitiços (ou enfeitiçar, dependendo do ponto de vista, rsrs). A princesa beija o sapo para que volte a ser príncipe. A Bela, ao sentir amor pela Fera o transforma. Só um beijo de amor poderá salvar Branca de Neve, e assim por diante. No entanto, em todas as ilustrações os beijos quase ocorrem de fato. São um quase-beijo, que apenas insinuam, para que salientem mais o toque de pureza, de encantamento. As passagens de imagem em imagem trazem a mudança como ato ocorrido, como um passe de mágica que ficou só na imaginação.

TD – O que descobriu sobre o beijo dos contos de fadas em suas pesquisas?

MS – O beijo como uma expressão de amor verdadeiro, como instrumento mágico, de encantamento, e também, ao contrário do que a sociedade interpreta como algo somente erógeno ou sexualizado, traz a inocência da infância, o toque singelo e carinhoso. Os contos de fadas marcaram um tempo de criança e perduram ao longo de gerações, mas ainda assim, boa parte do público infantil não conhece algumas das histórias. Digo que Beije-me! é um livro para todas as idades, pois além de trazer aos pais as recordações do tempo da infância, faz referência a alguns dos mais belos contos de fadas com o intuito de despertar nas crianças de hoje a curiosidade sobre os clássicos infantis da literatura.

TD – Você acredita que o beijo é uma referência importante nos contos de fadas? Por que?

MS – É um símbolo de conexão não só entre os seres humanos, mas também entre os animais. Representa o afeto, a amorosidade. Um gesto de respeito entre pais e filhos, um ato de carinho a selar uniões felizes. O impulso da alma como um ato da expressão do amor e o toque mágico a livrar de maldições e curar feridas.

TD – Você constrói as narrativas – verbal e visual – de forma que as histórias se integrem e entrelacem. Isso dá uma impressão de continuidade, sendo o beijo o fio condutor. Como sentiu a construção dessa sequência?

MS – Fiquei uns bons meses, praticamente um ano, debruçada na composição dessa construção, tirando de uma ordem, desmontando, colocando em outra sequência. Incluía alguns contos, depois retirava por não sentir conexão qualquer. Muitos contos ficaram de fora “reclamando” por não terem sido incluídos, motivo que me levou a criar um roteiro para outro livro, irmão do Beije-me! Foi como montar um jogo de quebra-cabeças, mas buscando coerência na passagem de um conto para outro, como se fossem todos personagens de uma só história.

TD – Quais as histórias trazidas para o livro?

MS – A Princesa e o Sapo; A Bela e a Fera; A Bela Adormecida; Branca de Neve e os Sete Anões; Alice no País das Maravilhas; Cinderela; Pinóquio; O Mágico de Oz; João e Maria; Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau; Mogli, o menino lobo; A Pequena Sereia; Peter Pan. Todas distribuídas em 64 páginas.

TD – Nesse livro também é sua a narrativa visual. Isso dá maior identidade à obra? 

MS – Sim, procurei criar os personagens com o meu traço, porém trazendo algumas características dos já conhecidos para que o leitor possa melhor identificar com os clássicos.

TD – Seus filhos têm participação especial nesse projeto. De que maneira isso aconteceu?

MS – Meu filho mais velho, o Axel, é designer gráfico formado pela UFPr. Tem feito vários projetos gráficos e de diagramação maravilhosos. Minha filha caçula tem 15 anos e é dona de um desenho muito bonito. Gosta de desenhar flores, é bastante caprichosa e dedicada, então passei a ideia de como eu queria as flores para a contracapa e o encontro dos beija-flores, e deixei-a livre para criar. O resultado não poderia ser melhor com essa equipe de talentos dentro de casa.

TD – Como você define seu trabalho – tanto na narrativa verbal quanto na visual?

MS – Como uma porta para despertar no público o que há dentro de cada um: a arte de sonhar, de tocar o mundo da imaginação, e que dentro desse mundo se abrem outros mundos, cenas principais nutridas de histórias paralelas, de outros acontecimentos em pequenos detalhes. Um universo vivo habitando as imagens. Já na narrativa verbal busco a linguagem poética, a sonoridade das palavras e o que as interliga para formar uma frase, uma sentença, uma expressão.

TD – O que as histórias infantis têm de especial para você?

MS – É através delas que posso tocar outras dimensões de mim, ou do autor, e do universo de tantos temas. É através delas que percorro sentidos, sentimentos, e formas de ver de modo diferente a vida, e também de ver a Vida por detrás da vida e muito além dela. É nas histórias infantis e nas ilustrações que descubro todo o universo contido dentro dos lápis e pincéis, dentro de mim, dentro das pessoas e de suas entrelinhas, e até o que é impossível se faz acontecer. Daí também a responsabilidade de se fazer literatura para a infância, sem perder contato com nossa essência, para que a obra toque a essência das pessoas.

TD – Quais são as suas outras obras? Quantas escreveu e quantas ilustrou?

MS – Ilustrei mais de 110 livros de diversos autores. O primeiro livro de minha autoria é Do Céu ao Céu Voltarás, Cortez Editora. O segundo, No trilho do trem, Editora Salesiana. Em seguida, A Rua Barulhenta, Cortez Editora. O quarto livro, Totem, Cortez Editora. Depois, Carrossel dos Sonhos, livro autobiográfico que traz mais de 500 imagens de minha trajetória, entre obras e ilustrações para livros, desde o primeiro desenho de infância até a produção em 2014, ano da publicação, com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Beije-me! também contemplado pela Lei Municipal de Incentivo, leva o selo de minha editora, a Lápis Criações & Edições.

 

*Fonte de pesquisa para temas e entrevistas: Instituto Fatum.