*Jônatas Pirkiel

     Não passou despercebida a manifestação o juiz Marcelo Bretas na audiência com o ex-presidente Lula, lembrando-se de sua infância como seguidor do político: “…“enfim, o senhor é uma figura importante no nosso país, é relevante sua história para todos nós, para mim, inclusive, que aos 18, 17 anos estava aqui no comício na Presidente Vargas com um milhão de pessoas. Vivíamos um momento diferente no país, eu estava lá, usando boné e estava usando uma camiseta com seu nome”.
    Manifestações como estas, ainda que desnecessárias, podem trazer prejuízos ao processo diante da conveniência da defesa em arguir a suspeição do magistrado, como determina a redação do inciso I, do artigo 252 e inciso I, do artigo 564, ambos o Código de Processo Penal, ainda que ali colocadas condições de vínculos objetivos do juiz. Mas, de todo modo, ainda que a subjetividade da manifestação não revele este tipo do vínculo que o legislador quis impor para a nulidade do processo, traz para o julgamento da causa uma suspeição, aos olhos dos jurisdicionados, que não precisaria trazer. Mas, infelizmente, estas coisas, ainda que raras, acontecem no processo, e se alguma arguição for feita por certo será rejeitada pela instância superior sempre com o entendimento de que a manifestação subjetiva do juiz não causa nulidade ao processo.
    Mas o fato me fez recordar de uma passagem do professor René Dotti ao comentar manifestação do juiz federal Mazloum: “…A respeito da imagem tartufiana que assume o juiz desertor da Constituição e da lei – utilizada com muita propriedade no artigo do Doutor Mazloum – afirmei: “porém, a estocada mais vigorosa contra a subserviência de magistrados que se convertem em reféns do sensacionalismo da imprensa não poderia ter melhor inspiração crítica que a entronização de Tartufo (1669), protagonista da obra-prima de Molière (1622-1673), na comédia dos erros em que se transformam inúmeras decisões que produzem, por criação dolosa de seu signatário, o erro judiciário do desvio de poder e de abuso de autoridade com a negativa grosseira de vigência da lei federal e a audaciosa contrariedade à Constituição. ‘Um juiz que julga de acordo com o noticiário da TV ou anda afinado com o ‘direito achado nas ruas’ não passa de um tartufo togado’…”
*O autor é advogado criminalista (jô[email protected])

A boa e velha sabedoria popular

Carlos Augusto Vieira da Costa

No já pré histórico ano de 1970, quando o regime militar nadava de braçada no mar do milagre econômico e o coro comia solto nos porões do DOI-CODI, contam os mais antigos que na hora dos  jogos da seleção brasileira pela Copa do Mundo não havia viva alma pelas ruas do país.  De minha parte ouso discordar: nem viva alma, nem alma morta, pois naquele tempo o interesse pela “amarelinha” levantava até defunto.
Nessa semana, porém, o Datafolha divulgou sua última pesquisa de opinião  dando conta de que 53% dos brasileiros  não estão interessados na participação do nosso glorioso selecionado na copa do mundo, o que sem dúvida representa uma drástica mudança de costumes do outrora país do futebol.
 Na verdade, a mudança nem seria assim tão ruim se considerássemos que o “futebol é o ópio do povo”, como se dizia antanho. Todavia, infelizmente parece que a verdadeira razão nada tem a ver com essa relação poética entre a plebe e a droga extraída da papoula, mas sim com um fato bem mais recente e prosaico, que foi o costume dos manifestantes pelo impeachment da Dilma se trajarem de verde e amarelo, quase sempre com a camisa da seleção brasileira, numa explicita alusão à nossa pátria de chuteira.
 E nessa linha de raciocínio o desalento até faz algum sentido, pois depois da destituição da Dilma as coisas somente pioraram, provocando na esmagadora maioria dos noveis ativistas a amarga sensação de que não passaram de massa de manobra a serviço dos interesses de uma minoria bem menos inocente.
Essa relação, contudo, é preciso reconhecer,  nada tem de científico, mas decorre de um desabafo do “Seu Juca”, um respeitável proprietário da banca de jornal da esquina da minha casa, que ao ser por mim perguntado do por que não decorar a “banquinha” com as cores do Brasil, como fazia todas as copas, prontamente respondeu: “pra não ser confundido com aqueles paneleiros (omissis)”.

*O autor é Procurador do Município de Curitiba

 

PAINEL JURÍDICO

Livro
A Editora Bonijuris, juntamente com o TJ do Paraná, a Academia de Letras José de Alencar, a Academia Paranaense de Letras e a Academia Paranaense de Letras Jurídicas, lançam o livro “Poema que Vale a Pena”, 1º volume da Coleção Helena Kolody, de autoria do Des. Joatan Marcos de Carvalho, no próximo dia 14, na sede do TJ/PR.

E-book gratuito 
As lacunas da legislação sobre o funcionamento dos condomínios contemporâneos, a regulação de aplicativos para locação de temporada, as tendências do mercado imobiliário e as questões polêmicas da incorporação e da locação são temas do e-book produzido pelo Santos Silveiro Advogados, tendo como curadora de conteúdo a advogada Lourdes Helena Rocha dos Santos, sócia fundadora escritório. O livro chega à 3ª terceira edição e tem download gratuito (www.ssa.com.br/livro-direito-imobiliario/)

Compensação 
Imóveis desapropriados por utilidade pública ou para reforma agrária, com divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor reclamado pelo proprietário, deve ter juros compensatórios de 6%, e não mais de 12%, como era o entendimento anterior do STF.

Defeito
Fabricante de automóvel que não resolve o defeito de carro zero no prazo de 30 dias tem que devolver ao cliente o valor pago pelo veículo, mas não tem a obrigação de indenizá-lo por dano moral. O entendimento é da 3ª Turma do STJ.

Dano
Atrasar salário de empregados, mesmo sem prova do constrangimento, gera dano moral presumido. O entendimento é da 1ª Turma do TRT da 5ª Região.

Fórum
O II Fórum dos Direitos da Pessoa com Deficiência acontece em Curitiba, nos dias 13 e 14 de junho, no auditório da OAB Paraná. 

ESPAÇO LIVRE

A propósito dos embargos infringentes

*Armando Antônio Sobreiro Neto

Diante da atual cobertura da imprensa em relação aos julgamentos dos Tribunais Superiores, notadamente o Supremo Tribunal Federal, depara-se a população com as discussões sobre o recurso conhecido como embargos infringentes e as consequências que o julgamento envolvendo Paulo Maluf teria em relação a outros acusados do mundo político.
É o momento apropriado para se desvendar o quão desassistidos estão os cidadãos brasileiros que se submetem à lei.
A criação do que se chama “duplo grau de jurisdição” deu-se com a finalidade de evitar a falibilidade humana, pois pode um único juiz cometer erro, de modo que a possibilidade de se recorrer a um tribunal garante que um colegiado de juízes reveja a decisão proferida, para favorecer o réu ou não. Constitui também um remédio para evitar o eventual despotismo do julgador.
O problema surge quando os remédios recursais dão tratamento privilegiado a determinado tipo de cidadão, em detrimento do conjunto de cidadãos.
Se é certo que o direito de o acusado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável constitua expressão de um direito individual assegurado na Constituição, não menos certo é que o conjunto de cidadãos ordeiros e cumpridores da lei também seja sujeito de direitos no resguardo dos bens que a mesma Constituição assegura como “garantias individuais”, ou seja, o direito à vida, à segurança pública, à propriedade, à honra etc., todos eles elementares para a vida pacífica e que são, por isso mesmo, protegidos pelo Direito Penal. Significa que os bens mais caros à cidadania, quando violados, sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Acontece que o Direito Processual Penal brasileiro criou figuras que podem ser chamadas de “favor  rei” ou “favor do Estado”, concedendo apenas aos autores de crimes certos tipos de recursos, sem que os demais cidadãos, representados pelo próprio Estado, mas na figura do acusador estatal (o Ministério Público), possam se valer de idêntica benesse para tentar reverter decisões desfavoráveis.
O recurso “embargos infringentes” é exemplo de “favor rei”, pois quando uma decisão colegiada (nos Tribunais – por exemplo, de três julgadores), contrária ao interesse do réu, não se der por unanimidade (observe-se que no mais das vezes será número ímpar de julgadores), o réu poderá tentar “virar o jogo”, ou seja, se foi condenado ou mantida a condenação por 2 votos a 1, tendo recebido um único voto favorável, poderá levar a decisão a um grupo maior de julgadores, desta vez normalmente (nos tribunais estaduais) cinco (Câmaras/Turmas integrais), de modo que o objetivo é convencer, agora com cinco julgadores, que os dois integrantes do colegiado que não participaram do primeiro julgamento acompanhem o voto “divergente” da condenação, ficando o placar, favorável ao réu, em 5 a 2.
Se a decisão colegiada que absolver o autor de crime não for unânime, como no exemplo, 2 a 1, absolvido ficará, pois os cidadãos, representados na maior parte dos casos pelo Estado-Acusação – Ministério Público, não terão idêntica oportunidade e não poderão ver aplicado o Direito Penal, instrumento de garantias individuais asseguradas na Constituição.
Essa mesma lógica se aplica a casos outros, como se vê atualmente no Supremo Tribunal Federal.
Partindo-se da premissa de que todos são iguais perante a lei, trata-se de uma lógica parcial, indulgente com o crime e com o criminoso, em inegável prejuízo aos cidadãos brasileiros.
Ora, se já se aplica o duplo grau de jurisdição, que a rigor ainda permite recurso a outras duas instâncias (STJ e STF), sempre partindo-se da premissa de que a decisão por maioria é tão válida quanto a unânime, no que se sustenta a manutenção desse “favor rei” exclusivo dos acusados de práticas criminosas?
A impunidade é filha da indulgência e do egocentrismo, neta da hipocrisia permissiva, gerada no ventre doente daqueles que “lavam as mãos” quando não atingidos diretamente pelos violadores das elementares regras de convivência em sociedade.

*O autor é Procurador de Justiça do MP do Paraná. Coordenadoria das Promotorias de Justiça Eleitorais.
 

Livro da semana
França, 1840. Marie Lafarge é acusada pelo homicídio do próprio marido, Charles Lafarge. O crime contou com grande repercussão. No Tribunal lotado, a cadeira dos réus era o único espaço ocupado por uma mulher. À época, mulheres não podiam exercer o direito ao voto ou compor o corpo de jurados. Marie Lafarge foi (supostamente) julgada pelos seus pares. E condenada. Brasil, 2017. A condição da mulher – no banco dos réus ou fora dele – ainda precisa ser discutida. Não obstante a mulher tenha conquistado espaço e direitos, os discursos utilizados no Tribunal do Júri – que se afastam da linguagem técnica e se aproximam dos discursos sociais – evidenciam a desigualdade e a relação de poder que ainda marcam a sociedade. Há a contínua produção do que é “ser homem” e do que é “ser mulher” e, consequentemente, do (triste e perigoso) binômio desvio-correto, anormal-normal, condenáveis -não condenáveis. Esta obra faz parte da coleção GRANDES JULGAMENTOS DA HISTÓRIA – As Dimensões Conceituais da Justiça, coordenada por Luiz Eduardo Gunther e Marcelo Bueno Mendes