As crianças de outros tempos queriam tornar-se adultas, as brincadeiras, os jogos, as roupas “de festa”, tudo remetia ao desejo de maturidade e à aparência de maturidade. Afora a identificação natural com mais velhos, pais e professores, havia uma série de supostas vantagens em “envelhecer”: podia-se entrar em cinemas para assistir filmes “impróprios para menores”, o que gerava inclusive uma indústria caseira de falsificação de datas de nascimento em carteiras de estudantes; aos dezoito anos era possível tirar carteira de motorista, e dirigir carros e motocicletas sem medo de multas e apreensões; havia maior acesso a lugares, viagens, empregos, e até mesmo a romances pois meninos e meninas valorizavam o parceiro “maduro”.

Com a revolução cultural dos anos 1960, Beatles e Rolling Stones, Mary Quant, Hippies, Sweet London, a juventude tomou conta do palco, entrou na moda. O novo desejo maior passou a ser a juventude e suas aparências. Os antigos trajes sisudos/cinzentos deram lugar ao blue jeans e às cores alegres. Códigos de relacionamento foram abrandados enquanto cortes de cabelos mudavam ou eram deixados de lado.

As gerações mais velhas em princípio se opuseram ao novo protagonismo da “criançada” mas renderam-se ao inevitável. Quando vemos antigas fotos do início da década de 1970 reparamos que quarentões usam cabelos mais longos e bastas costeletas, e as saias das quarentonas tem as barras bem acima dos joelhos; algo impensável anos antes em pessoas que se pretendiam sérios pais e mães de família trabalhadores. Os pais e tios que eram o modelo estético e comportamental de filhos e sobrinhos passaram a espelhar-se na aparência e no comportamento destes.

Se, como disse Sartre, “a existência precede a essência”, não há dúvida de que a aparência define a existência e é por ela definida. O que poderia parecer mera superficialidade estética, na verdade era a expressão de algo profundo: o desarmar de espíritos que decorria de um tempo de relativa prosperidade econômica, uma guerra fria em andamento, várias guerras quentes em cenários distantes, ditaduras militares em quase todo o terceiro mundo, e a virtual impossibilidade de influir sobre isso tudo e suas consequências. Grande parte das pessoas oscilou entre a irrelevância e a infantilização, e o hedonismo foi a opção.

As relações familiares, políticas, de estudos, todas passaram a ter como meta principal o bem estar e a autoestima. Casamentos não parecem resistir a contrariedades que sempre foram naturais na convivência familiar; o populismo que promete o paraíso sem dor é a tônica dos discursos de candidatos, que sabem que jamais poderão entregar o que prometem, e os eleitores preferem se deixar enganar por isso a enfrentar a realidade.

É preciso distinguir entre violências ou abusos e as contrariedades naturais da vida, evitando todo extremismo, pois a aprendizagem não decorre da dor ou das agressões, porém, como observou Carl Rogers, norte-americano estudioso do processo educacional, a cada pessoa deve caber a responsabilidade pela condução de seus atos, e “a aprendizagem é sempre o rompimento de uma tensão”, ou seja, sem qualquer inquietação, sem uma necessidade a ser suprida, sem um esforço para saber algo, não haverá melhoria cognitiva.      

Assim, preservar o amor próprio dos estudantes à frente de qualquer contratempo na necessidade de educá-los, como se ao invés de estarem em um lugar em que adquirirão conhecimento e experiencia válida, de vida e para a vida, frequentassem um clube social para pessoas com fragilidade emocional intensa, certamente não resultará em um bom percurso formativo do cidadão ou profissional. 

Adultos devem ser resilientes, enfrentar adversidades naturais da vida, resolver conflitos sem selvagerias mas também não permitindo abusos, e tudo isso exige maturidade. A eterna infância pode se confundir com a ignorância.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.