Que o Direito não é uma ciência exata, nós sabemos. Assim, é totalmente concebível um juiz dar uma decisão em um determinado caso e outro magistrado decidir no sentido diametralmente contrário julgando exatamente os mesmos fatos. Os mesmos autos. No Supremo Tribunal Federal (STF) estes antagonismos, esta oposição de ideias, não são lá muito constantes. Obviamente que há entendimentos díspares – caso contrário haveria apenas unanimidade. E toda unanimidade é burra, já dizia o brilhante escritor brasileiro Nelson Rodrigues.
A composição do STF, com 11 membros, inibe um confronto de ideias. Assim como em outras cortes com colegiado, de instâncias inferiores, preza-se pela regra da boa convivência – pelos menos se tenta transparecer isso. Evita-se ao máximo o bate boca entre magistrados. E com as audiências televisionadas, o bom embate de argumentos empobrece.
Esta regra de boa convivência na Suprema Corte, ora ou outra, é colocada em prova. E a Operação Lava Jato e seus desdobramentos no Poder Judiciário têm se mostrado como o ápice deste abalo. Talvez um abalo sísmico. Mas ainda silencioso. Nada exposto. Percebido apenas no intramuros do Supremo.
Avança na Corte máxima do país uma guerra silenciosa. Senão vejamos. O ministro Marco Aurélio Mello decidiu liberar o retorno de Aécio Neves (PSDB) ao Senado Federal para o pleno exercício do mandato como senador da República. Uma semana antes, o mesmo Marco Aurélio Mello resolveu adiar o julgamento do pedido da defesa do tucano para que fossem retomadas as atividades parlamentares, justificando que o levaria para decisão colegiada – na Primeira Turma ou no plenário do Supremo. Não o fez. Com a proximidade do recesso de julho, o eminente ministro julgou de forma monocrática pelo retorno de Aécio ao Senado.
Esta decisão confronta diretamente a do ministro Edson Fachin, paranaense, relator dos processos da Lava Jato no STF, que determinou o afastamento do senador mineiro. Publicamente, nenhum problema. Internamente, a ebulição. Já que um ministro contrariou de forma monocrática a decisão do colega. O normal é o colegiado rever a decisão.
Trata-se de uma nova era. Políticos em pleno exercício do mandato como alvos de operações policiais. Um presidente da República, no atual mandato, denunciado por corrupção. Os maiores executivos do país estão no banco dos réus. A verdade é que os ministros do Supremo não estão acostumados com isso. O STF ainda não sabe lidar com a Lava Jato. Estão aprendendo a lidar com a aplicação da Lei aos poderosos. Quando deveriam apenas aplicá-las sem olhar a quem.
Afinal, não me diga que estão dentro da normalidade as recentes manifestações do ministro Gilmar Mendes. Não, não estão. Ele talvez seja o mais, publicamente, exaltado. Às vezes a leitura de um voto durante o julgamento mais parece um memorial apresentado pela defesa do investigado, do réu.
A Lava Jato tem revelado o que nos bastidores já era sabido. Até dentro da Suprema Corte existem grupos políticos. Uns mais de Direita, outros de Esquerda. O ser humano é um ser político, não é possível fugir desta premissa. Espera-se, no entanto, que na Corte máxima do país prevaleça o Direito sobre as questões políticas. Mas, principalmente, que jamais tampem os olhos para o artigo 5º da Constituição Federal: todos são iguais perante a lei.

O primeiro bico se levantou no ninho tucano

Não está fácil para o senador Aécio Neves (PSDB). Embora tenha retomado a atividade parlamentar como senador da República, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ele agora terá de reunir forçar para evitar um desmonte do ninho tucano. Aécio é um dos principais caciques do PSDB. Basta relembrarmos a reação desmedida de Aécio quando o também pessedebista Valdir Rossoni, secretário da Casa Civil do governo Beto Richa, fez críticas pelas redes sociais. Rossoni estava decepcionado com o senador e afirmou que se as denúncias fossem confirmadas e Aécio permanecesse na presidência do partido, ele deixaria o PSDB. Imediatamente Aécio exigiu uma retratação. Pois bem. O senador acabou se licenciando da presidência do PSDB.
Mas quando achou que o turbilhão tinha passado, com a decisão favorável do STF, uma nova tormenta — desta vez os ventos contrários partiram de São Paulo. O prefeito da capital paulista, João Dória, uma das importantes figuras do PSDB, disse publicamente que Aécio não deveria reassumir o comando do partido. Nas palavras de Doria, o mineiro deveria se concentrar na defesa das acusações que pesam contra ele. Para Doria, a legenda não pode seguir na interinidade ou em uma circunstância onde o presidente tem que responder pela Lava-Jato e ao mesmo tempo pelo PSDB. Eu não considero isso compatível, completou. Segundo ele, é hora de Aécio Neves afastar-se, fazer a sua defesa e permitir que o PSDB siga a sua rota, o seu caminho. Embora Doria seja prefeito de primeira viagem, longe da experiência política de Aécio Neves, o prefeito de São Paulo goza de popularidade – fato raro no meio político brasileiro.

A nova vista de Geddel

Uma pequena janela com grade. Esta será a nova vista do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Logo ele que se empenhou tanto na construção de um prédio de luxo em Salvador para que os moradores, ele inclusive, tivessem uma bela vista para a Baía de todos os Santos. Para quem não está lembrado, vale a recordação. Geddel pediu demissão da Secretaria Geral da Presidência em novembro de 2016 após a situação dele ficar insustentável no governo. Nem o presidente Temer, de quem Geddel é muito próximo, conseguiu mantê-lo no cargo.
A desgraça de Geddel começou depois da pressão que ele teria exercido sobre o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para liberar a construção do edifício de luxo La Vue Ladeira da Barra junto ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) – ligado diretamente à pasta então comandada por Calero.
O impasse para construção estava na altura do edifício. No local, prédios de alto padrão têm no máximo 10 andares, mas o La Vue previa uma torre de 24 andares. O Iphan e o Ministério Público Federal alegavam que o prédio faria sombra sobre os cartões-postais de Salvador. Geddel então, proprietário de uma unidade no 11º andar, avaliado em mais de R$ 2 milhões, entrou em ação. Falaria com Calero para o Iphan liberar. A pressão foi denunciada por Calero e ambos acabaram deixando o governo Temer. Agora, o mesmo Geddel que pretendia morar no 11º andar do La Vue, com vista para a Baía de todos os Santos, terá a vista do presídio da Papuda.