Divulgação – Na ação

Quem construiu Tebas, a cidade das Sete portas? Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram as pedras? E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre? No dia em que a Muralha da China ficou pronta, para onde foram os pedreiros? E no dia em que o Jockey Plaza ficar pronto, para onde irão os operários?

Tantas histórias, tantas questões. E são questões como essas, feitas há 80 anos pelo poeta alemão Bertolt Brecht no poema “Perguntas de um trabalhador que lê”, que levaram estudantes de Direito da UniBrasil, no bairro Tarumã, a realizarem uma ação especial ontem (14 de maio).

Por volta das sete horas da manhã os jovens, coordenados pela professora de Historia do Direito Andréa Carneiro Lobo, se instalaram no local onde as conduções deixam os operários. Ali, convidaram os trabalhadores a se tornarem protagonistas de um livro de poesia, imprimindo suas mãos no que serão as capas das obras de papelão e também os chamando para que escrevessem sobre seus sonhos. Os relatos serão publicados no livro de forma intercalada com poemas escritos por alunos da UniBrasil.

Para que não fossem com as mãos sujas de tinta trabalhar, os próprios alunos trataram de limpar as mãos operários. E por fim, como agradecimento dos alunos pela atenção e pela construção que já está em estágio final (a inauguração está marcada para 5 de junho, uma quarta-feira), os trabalhadores receberam um bombom, com um trecho do poema “Operário em Construção”, de Vinícius de Moraes (“Era ele que erguia casas/ Onde antes só havia chão/ Como um pássaro sem asas/ Ele subia com as casas/ Que lhe brotavam da mão”).

Andréa Lobo, que é também fundadora da editora Voz Cartonera, que cria livros de papelão e promoveu a ação em foco, conta que a ideia de criar o projeto e convidar os alunos a participar da iniciativa surgiu a partir da observação diária dos trabalhos feitos por ali e que nos últimos dois meses, com a proximidade da inauguração, tornaram-se ainda mais intensos.

“Eu passo pela rua de manhã e de tarde, quando os operários estão chegando e quando estão saindo. Eu me emociono porque vi esse shopping, que é monumental, sendo erguido, dia após dia, por esses operários. Logo inauguram e para onde vão essas pessoas? Sou professora e sabemos que não são eles que entram para a Historia. Então, queria que eles se sentissem estrelas”, explica.

Nascida a ideia, os estudantes então foram convidados a participar voluntariamente da criação do livro, elaborando poemas relacionados ao tema trabalho braçal (no sentido de exaltar esse tipo de atividade) e também confeccionando os próprios livros, produzidos artesanalmente.

“Foi emocionante. Os alunos gostaram muito e os operários se sentiram valorizados. Uma menina ficou muito tocada porque um operário escreveu no papel que sonha com um mundo igual para todos. Outra aluna disse que demos um pouco de cor a esse mundo em preto e branco. E foram os próprios estudantes que limparam as mãos dos operários. Uma foi limpar e disse que sentiu a mão dele cheia de calo. Ela ficou emocionada”, conta ainda Andréa.

Missão agora é fechar o livro em um mês
A ideia da Editora Voz Cartonera é lançar o livro até a segunda semana de junho – a inauguração do Jockey Plaza está marcada para o dia 5 do próximo mês. Para que a missão seja cumprida, diversos mutirões serão realizados nas próximas semanas. Como os livros são feitos em papelão, todo o trabalho é artesanal, o que acaba por demandar mais tempo e também reduz o número de exemplares – essa primeira edição, por exemplo, terá 30 exemplares.

“Não sabemos se vamos conseguir. Queremos lançar até a segunda semana de junho e gostaríamos de dar alguns desses exemplares para os operários que estiveram ali. Também queria que as pessoas que fossem na inauguração do shopping soubessem que os operários estiveram ali. Sei que muitos (dos operários) não vão ver o shopping pronto, não vão levar a família para uma refeição, para comprar algo no shopping, comenta Andréa Lobo.

A origem do mundo segundo um pedreiro anarquista
No Livro dos Abraços, o escritor uruguaio Eduardo Galeano conta uma história sobre um operário ateu espanhol. Relata o autor que a guerra Civil da Espanha havia acabado há poucos anos e a cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um operário anarquista, recém-saído da cadeia, procurava, em vão, por trabalho. Todo mundo fechava a cara, ninguém o escutava.

Tendo como único amigo o vinho, o operário suportava sem dizer nada as queixas de sua esposa beata, mulher de missa diária. Seu filho, o pequeno Josep Verdura, recitava o catecismo para o pai ouvir. Estava desesperado e queria o salvar da condenação eterna, mas aquele ateu, aquele teimoso ateu, não entendia.

“Mas papai”, disse Josep chorando, “se Deus não existe, quem fez o mundo?”. O operário, então, respondeu, quase que segredando. “Bobo, bobo. Quem fez o mundo fomos nós, os pedreiros.”