Em 1997, durante uma apresentação da ópera La Bohème, de Puccini, o maestro Mariss Jansons passou mal e caiu do pódio. Os músicos que o acudiram mal podiam acreditar no que viam: o rosto contorcido de dor por causa de um enfarte e os braços ainda se movendo, continuando a reger a partitura de Puccini.

Jansons nunca se recuperou completamente. Há duas semanas, em concertos com a Orquestra da Rádio da Baviera, em Nova York, demonstrou enorme fragilidade, anotada pela crítica americana. Em um deles, precisou ser substituído.

Era o sinal de que algo não ia bem. E hoje, dia 1º, o maestro faleceu em sua casa em São Petersburgo, aos 76 anos. Era um dos realmente grandes.

Jansons nasceu em Riga, na Letônia, em 1943. O pai, maestro, e a mãe, soprano, escondiam-se da perseguição nazista. Desse momento, ele não se lembrava. Mas tinha viva na memória as muitas horas acompanhando o pai em ensaios na ópera da cidade.

“Ainda menino eu decorei muitas óperas e balés, que reproduzia em casa, com um teatrinho de brinquedo”, contou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em junho de 2013. “Meus pais diziam que, com três anos, eu já fingia estar regendo uma orquestra. Então, acho que de alguma forma sempre estive muito em contato com o meu próprio talento musical e, sendo assim, seguir uma carreira na música nunca foi algo estranho para mim.”

Aos 13 anos, mudou-se com a família para São Petersburgo, então Leningrado, onde o pai foi trabalhar como assistente de Yevgueni Mravinski, diretor da filarmônica. O choque com a língua e a cidade foi diminuindo com o tempo, à medida que seu talento passava a chamar atenção de Mravinski, de quem se tornou protegido.

Mais tarde, assumiria postos em Oslo, na Dinamarca, e em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Depois do enfarte, no fim dos anos 1990, no entanto, diminuiu bastante seu ritmo. Assumiu a Orquestra da Rádio da Baviera e a Orquestra do Concertgebouw, de Amsterdã, e, nas últimas duas décadas, além delas regia apenas as filarmônicas de Berlim e Viena.

Em 2009, quando a revista Gramophone elegeu a Concertgebouw como a melhor orquestra do mundo, o trabalho de Mariss Jansons à frente do grupo foi naturalmente entendido como um dos responsáveis pela consolidação da sua sonoridade. E um detalhe não passou despercebido: na lista das dez mais, também estava sua orquestra alemã (e Viena e Berlim apareciam na segunda e na terceira posição).

“São apenas quatro, mas do que posso reclamar? Ter a oportunidade de trabalhar com elas é fascinante. Estão entre as melhores do mundo e naturalmente possuem um padrão de qualidade altíssimo, que sempre se renova”, disse. “O que faz de uma orquestra grande é justamente a sua individualidade. Amsterdã, Berlim, Viena, Munique. Cada uma soa diferente. E parte de meu prazer em trabalhar apenas com elas é justamente sentir essa diferença e as possibilidades que ela oferece.”

O trabalho com a Orquestra do Concertgebouw fez do grupo um exemplo de clareza, de transparência sonora, além do equilíbrio entre os naipes. Não por acaso. “Acho que estas são as características principais a que chegamos. Mas eu acrescentaria a capacidade de sentir de modo diferente cada estilo, a música de cada período. E eles fazem isso com um espírito próprio”, explicava.

Jansons entendia o maestro como “guardião de uma tradição que precisa ser renovada constantemente”. Lembrava, por exemplo, como o fato de ter interpretado há mais de um século as sinfonias de Mahler mantinha-se vivo, tanto tempo depois, no espírito dos músicos da Concertgebouw. Era algo misterioso, explicava, mas palpável.

Do compositor, deixou um ciclo notável, no entanto, em Munique (apesar da excepcional Oitava sinfonia registrada em Amsterdã). Também na Alemanha fez nos últimos anos um ciclo Beethoven. E gravou Shostakovich, muito Shostakovich. Era um dos realmente grandes.