BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O escândalo chamado na Argentina de “cadernos da corrupção”, revelado quando um motorista do governo kirchnerista (2003-2015), Oscar Centeno, fez públicas suas anotações sobre o leva e traz entre governo e empresários de maletas de dinheiro ilícito, agora apontam a dois nomes-chave que podem abalar a Presidência: o irmão (Gianfranco) e o pai (Franco) de Mauricio Macri.

Ambos estão convocados a comparecer nesta quinta-feira (13) diante do juiz federal Claudio Bonadio para prestar declaração sobre a acusação de terem entregado dinheiro ilícito ao governo de Néstor Kirchner (2003-2007). A verba seria para ganhar a concessão dos pedágios da estrada Panamericana, que sai do acesso Norte da cidade de Buenos Aires e vai até a Bolívia.

O conglomerado empresarial da família, o Grupo Macri, foi fundado por Franco Macri e hoje é dirigido pelo irmão do presidente, Gianfranco. Atua em distintas áreas, entre as principais está a da construção.

Macri chegou a ser diretor de uma das empresas, mas desistiu quando se desentendeu com o pai e decidiu seguir sua carreira de forma independente, primeiro como presidente do Boca e, depois, na vida política. Possui, porém, participação nas empresas, embora tenha passado a administração de sua cota a um suposto “fideicomisso cego” enquanto exerce a Presidência.

Na terça-feira (11), por meio de seus advogados, Franco Macri declarou que não se apresentaria por questões de saúde. Aos 88, o patriarca da família Macri tem entrado e saído de hospitais por problemas cardíacos e alega ter perdido a capacidade auditiva. Seus familiares acrescentam que possui demência.

Será representado por um advogado. Gianfranco deve comparecer, embora estivesse no exterior nos últimos dias.

Embora outros empresários da área de construção e transporte também já tenham sido convocados a declarar, como Eduardo Eurnekian, presidente da Corporação América, que, entre outras coisas, tem a concessão para operar os aeroportos internacionais do país, ou Paolo Rocca, presidente da Techint, principal conglomerado de empresas de engenharia e construção do país, a convocatória envolvendo os Macri está chamando muita atenção dos meios, por envolver nada menos que o presidente.

Também estão sendo convocados a dar explicações membros do governo kirchnerista, como o ex-ministro do Planejamento, Julio de Vido, e a ex-presidente Cristina Kirchner. O juiz Claudio Bonadio, inclusive, já enviou pedido formal ao Congresso para que ela tenha seu foro privilegiado de senadora para ser apontada como ré nesse caso. De Vido já perdeu o foro e encontra-se em prisão preventiva.

Até agora, Bonadio já iniciou investigações a 42 pessoas, empresários e políticos, tendo como base os cadernos de Oscar Centeno. Está sendo aplicada de modo inédito na Argentina, neste caso, a Lei do Arrependido, que antes se usava apenas em casos de narcotráfico, mas que cuja legislação foi modificada neste ano para investigar crimes políticos. Mais limitada que a delação premiada brasileira, porém, a Lei do Arrependido tem forte inspiração na experiência do Brasil, o que levou o escândalo a ser chamado coloquialmente de “Lava-Jato argentina”.

As anotações do motorista Centeno, porém, também são alvo de investigação. A Justiça, e grande parte da opinião pública argentina, quer saber porque um motorista faria uma série de anotações tão metódicas, ao longo de vários anos, de vários transportes de malas de dinheiro, incluindo fotos e vídeos, conhecendo o valor carregado em cada transporte, a quem foi entregue e em que dia, e que incluía datas e nomes.

Um membro da alta cúpula do governo comentou com a Folha que os cadernos eram pouco confiáveis, e acrescentou: “sei que estamos na Argentina, mas um motorista que escreve tudo isso como se fosse Cortázar, há que se desconfiar”.

De fato, os cadernos trazem um refinamento de linguagem, não são apenas uma lista de entregas. Porém, o fato é que está levando aos tribunais os principais nomes do poder e da economia argentinos, e estes vêm apontando irregularidades cometidas, em troca de redução de penas.

A menos de um ano das eleições presidenciais, o caso pode ter repercussões políticas.