Grande parte do progresso humano é atribuída à nossa capacidade de formular e encadear palavras, constatação devida a que, embora alguns poucos animais tenham possibilidade de enunciar – macacos parecem ter algumas expressões voltadas a perigo ou comida –, não conseguem estruturar suas palavras em unidades mais complexas, menos ainda à expressão de sentimentos. Assim, a história como a conhecemos constitui repositório de significados existenciais, construído ao longo do tempo, expressando a experiência humana em cada época e cultura, refletindo visões e sentimentos de mundo. No entanto, palavras nem sempre expressam a verdade, mesmo admitindo o caráter mutável e provisório do conceito; muitas são ditas deliberadamente para enganar. E estamos próximos de mais um período de muitas palavras, promessas e discursos, projetos mirabolantes, seduções das mais diversas ordens. Quão próximas da verdade estarão?
O processo civilizatório parece degradar-se tanto que pensadores como Rousseau e Tolstói não podiam, já em suas épocas, conceber outra solução para a raça humana que não a volta ao passado como ideal de convivência, e muitos políticos utilizaram o bordão em recentes eleições. Voltar a uma etapa pretensamente melhor, um país de vários anos no passado, uma cidade que era acolhedora e bela, cancelar o presente e todo o transcorrido, para o bem e para o mal, seria a solução para todas as nossas mazelas.
Não se pode negar que a transformação do homem causa a mudança nas relações sociais, e junto com elas, mudam também comportamentos, valores e ideias, já que a personalidade humana é formada fundamentalmente pela influência do sistema social a que pertence. Marx, cujas palavras nem sempre foram acertadas segundo muitos, dizia: “Minha relação para com meu ambiente é a minha consciência”, conceito que muitos psicólogos creditam fidedigno. Mudanças profundas no sistema global das relações, seja dos homens entre si, ou deles com a natureza ou os animais, parece conduzir à mudança intensa na sua consciência.
É neste sentido que a educação poderia desempenhar papel central na transformação do homem, determinando um melhor percurso de formação comunitária, a base para transformar o tipo de raciocínio histórico que nos leve à solidariedade, sustentabilidade e melhor visão do mundo. No entanto, a exatidão com que políticos pretendem estabelecer seus tratos de campanha parece não atingir um sistema educativo de boa qualidade; finalizadas as eleições voltamos às mesmas dificuldades, impossibilidades, outras prioridades (quase todas bem próximas do enriquecimento pessoal), palavras vazias, porém empoladas. Cada vez mais os projetos de futuro mirarão o passado, e ouviremos grandes propostas de retornar no tempo, como se vontades políticas fossem suficientes para construir a máquina que cientistas falharam em projetar. Enquanto isso, no presente crianças estão fora da escola, o analfabetismo de milhões de adultos é cruel realidade, idosos estão com atendimento inexistente ou deficitários na saúde.
Perspectivas de muitas “Fake News” interferindo no processo eleitoral, candidatos em dívida com a Justiça, personagens nos extremos do panorama ideológico, manifestações controvertidas, temos assistido inertes enquanto pagamos a conta desta festa toda. Desacreditados até de protestar nas ruas, alinhados em guetos específicos a favor ou contra, temos sempre as mesmas palavras que explicam tudo, e nos recusamos a ouvir outras. Sem palavras os fatos ficam sem sentido e significado, perdem seu potencial de aprendizagem, pois é preciso transmitir ensinamentos para que os fatos mudem: novas palavras trazem novas formas de ver, que produzem outras condutas, levam a outros atos. É preciso apenas que sejam portadoras de uma verdade para que o futuro se prenuncie menos hostil.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.