Marcelo Camargo/Agência Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – ​Enquanto analistas e políticos pedem que Jair Bolsonaro pare de fazer campanha, saia do Twitter e comece a governar, uma parcela de apoiadores dele faz um apelo em sentido contrário: presidente, pare de tentar negociar com o Congresso e volte a falar diretamente com o povo.

Esse foi o sentimento dominante entre as oito pessoas reunidas pela reportagem na última terça-feira (2), todos eleitores de Bolsonaro que se mantêm fiéis a ele, apesar do desgaste de seus cem primeiros dias de governo.

Não que o governo seja todo perfeito, tá ok? Para eles, Bolsonaro vem, sim, mostrando um calcanhar de aquiles: a comunicação.

Para o estudante de sociologia Jonas Buccini, 20, o presidente deveria ir à TV e às redes sociais mostrar o real estado da economia. Só assim para cair a ficha na população de que a reforma da Previdência é importante e que é preciso pressionar o Congresso para aprová-la logo.

“O [Ronald] Reagan, quando assumiu [como presidente dos EUA, em 1981], mostrou com gráficos como estava deteriorada a situação.”

Opinião parecida tem a aposentada Leocádia de Castro, 63. “O pessoal fala para [Bolsonaro] não falar, mas ele tem de falar para nós, seus eleitores. Porque a mídia faz tudo para dificultar o trabalho dele.”

Todos lá adoram WhatsApp e redes sociais. Mas nos rincões do país as pessoas assistem à TV Globo, afirmam.

“Quanto mais ele falar, melhor. É como se fosse o nosso chefe e estivesse dando detalhes de tudo que está acontecendo na empresa”, diz a turismóloga Talita Freitas, 31.

De maneira geral, os percalços deste início de mandato são atribuídos pelo grupo a uma trinca: a imprensa (que, para eles, persegue o capitão), a “velha política” e os interesses contrariados dentro da máquina do governo.

Se o Ministério da Educação não vai bem, por exemplo, não é porque o ministro Ricardo Vélez Rodríguez o administra mal: anos de petismo o teriam aparelhado de tal forma que o estrago não vai sumir da noite pro dia.

“Todas as áreas, os ministérios, estão dominados pelo esquerdismo”, diz a aposentada Neusa de Oliveira, 73. Ela sugere que o presidente distribua cartilhas à população explicando seus projetos.

O empresário Raphael Daniele, 35, concorda que é cedo para uma cobrança mais incisiva, sobretudo em sua área. “A economia ainda é uma marola do governo passado. O Brasil tem muito remédio para tomar, sair da cama, e o governo está resolvendo uma coisa por vez.”

Mesmo assim, diz o professor Aelison Queiroz, 54, há um novo clima gerado pela eleição de Bolsonaro. “O ponto mais forte desse início é o otimismo. Já fechei com três clientes desde a eleição”, afirma ele, que dá aulas de idiomas para executivos de multinacionais alemãs.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), protagonista de bate-bocas com Sergio Moro (Justiça) e Bolsonaro, é desprezado enquanto representante da velha política. “O Congresso vai ter que se emendar, porque vai sofrer pressão da população. A gente sabe que sempre a negociação foi troca de cargos, e a população não quer mais isso”, diz Stefanny Papaiano, 36, assessora parlamentar.

E o que dizer do entorno do presidente? Moro e Paulo Guedes (Fazenda) são unanimidade. Recebem menções positivas também Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e, talvez para a surpresa de muitos, Ernesto Araújo (Relações Exteriores).

“O governo está usando muito o Itamaraty para conseguir investimentos para o Brasil. Ele não é essa figura que a mídia internacional e a nacional retratam”, diz o estudante Matheus Galdino, 18.

Já Vélez, talvez o ministro mais torpedeado até aqui, está patinando por ter uma missão complicada demais, dizem os apoiadores do governo.

“O MEC tem muita demanda. O ministro precisa ser muito bem assessorado”, diz Matheus. “O MEC é como trocar o pneu do carro com o carro andando. Precisa de um pente fino. Primeiro, tem que sanear a máquina”, afirma Aelison, ecoando a visão de que é uma pasta “esquerdizada” nos últimos anos.

A unanimidade é bem menor ao tratar de outras figuras que rodeiam Bolsonaro. Os filhos, por exemplo.

Talita diz que gosta da prole “até certo ponto. Se começa a passar do ponto, já vira uma piada. Intromissão demais”.

Para Leocádia, Bolsonaro vê os filhos como crianças. “Não acredito que eles falem alguma coisa sem a concordância do pai”, diz.

Já Stefanny tem um parecer com o qual muitas pessoas não concordariam sobre Carlos, conhecido como o “pitbull” do pai e gerente de suas redes sociais. “Adoro o Carlos. Ele é muito humilde.”

Já o senador Flávio seria a verdadeira “fraquejada” entre os irmãos, e não a caçula Laura, única filha mulher do presidente, que já a definiu assim. É uma piada que circula em rodas bolsonaristas e é lembrada pelo octeto.

O primogênito, afinal, deu dor de cabeça a Bolsonaro pelo escândalo envolvendo seu ex-motorista Fabrício Queiroz, que trabalhou no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Aliás, é justo cobrar que Bolsonaro saiba tudo o que se passa em seu governo? Certa vez, lembra Aelison, “perguntaram para o Abílio Diniz se ele estava a par de tudo no Pão de Açúcar. Ele disse: ‘Se tem um cara roubando uma lata de ervilha, não tenho como saber'”.

Para Talita e Raphael, Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, é considerado “sensacionalista”. “Ele coloca alguns tópicos que não têm relação com o momento. Não contribui para formar uma opinião do que o brasileiro pensa do governo. Geralmente, quem se acha dono do governo acaba perdendo a credibilidade”, diz o empresário.

Para Jonas, o escritor merece crédito por ter quebrado a “hegemonia cultural da esquerda”. Pena que a mídia, diz ele, só dá destaque aos palavrões que profere.

Mais polêmica suscita o vice, general Antonio Hamilton Mourão. Matheus solta rápido um “traíra” quando a reportagem o menciona. E começa a listar uma série de posições do vice que divergem das de Bolsonaro, como aborto e transferência da embaixada em Israel.

“Mourão fala coisas que podem confundir as pessoas”, reforça Talita. Já Raphael considera o vice uma espécie de seguro para dar estabilidade ao presidente no cargo. “Se alguma coisa acontecer com o Bolsonaro, vão ter que parar de falar com o capitão e falar com o general.”

O encontro ocorreu dois dias após o aniversário de 55 anos do golpe de 1964, e a discussão inevitavelmente foi parar nesse tema. A mesa converge ao dizer que não foi golpe, e sim uma reação a uma suposta escalada comunista do presidente João Goulart.

“Tudo que nós sabemos sobre o regime militar é sob a ótica da esquerda. A falha dos militares foi essa, não fizeram propaganda, não escreveram o que realmente aconteceu”, diz Leocádia.

Neusa, que tinha 18 anos em 1964, diz que as pessoas eram ingênuas na época. “A gente era ignorante, gostava do [ex-presidente] Jânio Quadros, que era um comunista. Dom Evaristo Arns [ex-arcebispo de São Paulo] era o maior comunista, e a gente considerava ele um santo.”

Para a aposentada, a esquerda criou “um ranço com o AI-5, que foi necessário”. Ela completa: “Do meu ponto de vista deviam ser fuzilados”.

Stefanny enxerga problemas na ditadura: tecnocracia, aparelhamento do Estado, economia fechada. Nenhuma palavra sobre tortura e morte de opositores do regime. Justifica: não era preciso combater a esquerda armada da época?

“Não acho que direitos humanos foi um problema. Como acho que não seria um problema combater o PCC duramente”, afirma.