Arquivo/PCPR

Condenado a 7 anos, 4 meses e 20 dias de prisão por duplo homicídio com dolo eventual, o ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho se apresentou no início da tarde de ontem na Vara de Execuções Penais (VEP) de Guarapuava, na região central do Paraná. Responsável pelas mortes de Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo de Almeida em um acidente de trânsito ocorrido em 2009, o ex-parlamentar  foi levado para a Penitenciária Industrial de Guarapuava e ficará em uma sala especial até que o processo de execução penal seja transferido de Curitiba para Guarapuava, o que deve demorar de dois a seis dias.

A forma como se dará o cumprimento da pena ainda será decidida pelo juiz responsável pela execução penal. Dentre as possibilidades, estão o aprisionamento em uma unidade para cumprimento de pena em regime semiaberto, quando o apenado trabalha e/ou estuda fora durante o dia e volta para a unidade penal no período da noite, e a adoção da monitoração eletrônica, com a obrigatoriedade do uso de tornozeleira pelo condenado.

Neste momento, a segunda opção parece a mais provável. Primeiro porque as unidades para cumprimento de pena em semiaberto estão lotadas no Paraná – hoje, segundo informações do Mapa Carcerário, há 1.815 presos no regime semiaberto em todo o estado, enquanto a capacidade do sistema prisional é de 1.518 vagas desse tipo – e a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal (STF) determina que, quando faltam vagas em estabelecimento adequado, o apenado deve cumprir pena num regime menos gravoso – o que elimina, em casos de condenações abaixo de 8 anos de prisão em que o réu não é reincidente, a possibilidade de o condenado ir para uma cadeia cumprir pena no regime fechado, por exemplo.

Outro aspecto a ser considerado é a adoção em cada vez maior escala da tornozeleira eletrônica em substituição ao regime semiaberto.

De acordo com o “Diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica”, divulgado no final de dezembro do ano passado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Paraná é o segundo estado que mais utilizada a tornozeleira eletrônica, com um total de 6.289 pessoas monitoradas. Apenas Pernambuco fica na frente, com 17.946 — o estado do Nordeste foi um dos primeiros a implementar o serviço de monitoração eletrônica no Brasil, em 2011, enquanto o Paraná iniciou a implementação quatro anos depois, em 2015.

Os dados, referentes ao ano de 2017 (hoje já seão mais de 7 mil pessoas monitoradas eletronicamente no estado), mostram que 4.431 (70,5% do total) dos apenados que usam tornozeleira provém do regime semiaberto. Ou seja, de um total de 6.246 condenados que estariam cumprindo pena no regime semiaberto, apenas 1.815 (29,1%) passam a noite em unidades prisionais, enquanto 4.431 (70,9%) acabam submetidos à monitoração eletrônica.

Tornozeleira é sinônimo de impunidade? Advogado garante que não

Os motivos que levaram a Justiça a adotar e endossar o uso da tornozeleira eletrônica são diversos. Um deles é o diagnóstico de que o convívio nos presídios é deletério para os condenados, que sairiam igual o pior da cadeia após cumprir pena. Assim, a ideia seria fazer o réu passar pela pedagogia da Justiça e já iniciar sua ressocialização. Os índices de reincidência entre os monitorados, inclusive, são relativamente baixos, em torno de 10%.

Além disso, há ainda o aspecto financeiro e a falta de vagas no sistema prisional. No Paraná, há um total de 6.246 condenados que deveriam estar cumprindo pena no regime semiaberto, mas apenas 1.518 vagas nas cinco unidades de semiaprisionamento existntes no estado (unidades estas que, mesmo sem ter de receber os presos que usam tornozeleira, sofrem com um déficit de 297 vagas). Ademais, enquanto um preso em regime fechado custa aproximadamente R$ 3 mil por mês ao Estado, a média do custo de locação mensal da tornozeleira por pessoa é de R$ 267,92, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Ainda assim, é notável, dentre a opinião pública, a resistência à tornozeleira eletrônica, comumente associada a impunidade. Em entrevista recente ao Bem Paraná, por exemplo, Christiane Yared, mãe de um dos jovens mortos por Carli Filho, comentou sentir-se abandonada pela Justiça.

“A Justiça compreendeu que ele não tinha intenção de matar. Mas tenho certeza que meu filho não tinha intenção de morrer naquela noite. A pena do Luís Fernando tem tempo para acabar. A minha não. A leitura que fica é a de que a Justiça deu liberdade para poder beber e dirigir sem problema nenhum, até mesmo matar, porque vai responder e coloca uma tornozeleira. Fica uma certeza de impunidade muito grande”, lamentou Yared, que hoje é deputada federal, em entrevista concedida na véspera do 10º aniversário da morte de seu filho.

O Ministério Público do Paraná também questiona a adoção em larga esccala das tornozeleiras. Os promotores alegam que há fragilidades no sistema atual, como o fato de os alertas (quando a pessoa tira a tornozeleira ou sai da área determinada pela Justiça, por exemplo) não serem sempre eficazes, do que resulta uma vigilângia frouxa que, de forma distorcida, vem sendo adotada no sentido de substituir o regime semiaberto. Numa manifestação encaminhada no ano passado à Secretaria Especial da Administração Penitenciária, as críticas são reforçadas e detalhadas pela instituição. 

Contudo, para o advogado Gustavo Polido, sócio da Polido Advogados, de São Paulo, é um equívoco associar o uso da tornozeleira à impunidade no âmbito penal. Ele, inclusive, argumenta que a finalidade da pena, quando atribuída a tornozeleira eletrônica no lugar do cárcere, é melhor atingida para fins de ressocialização, o que representa maior respeito aos direitos fundamentais e humanos.

“(Com a tornozeleira) O Estado consegue monitorar exatamente aonde o réu se encontra, é uma forma mais eficaz de confirmar se o apenado está no local que indicou que mora ou trabalha, dificultando o não cumprimento da pena. É o inverso do que pensam”, diz o especialista. “O clamor pela prisão/cárcere na verdade representa, consciente ou inconscientemente, a intenção de vingança social, que não deve existir em um Estado Democrático de Direito. A própria lei permite medidas desencarceradoras e não pode o clamor social de vingança se sobrepor às normas estabelecidas no ordenamento jurídico”, complementa.