Franklin de Freitas – Sequelas do coronavírus criaram uma nova demanda para hospitais

Desde março de 2020, quando a pandemia do novo coronavírus começou a assolar o Paraná, 937.364 paranaenses contraíram a Covid-19, sendo que 22.806 (2%) acabaram falecendo e outros 675.526 (72%) são considerados recuperados. Entre esses, porém, há um número considerável de pacientes que ainda sofrem com os efeitos da infecção. É que a doença pandêmica, já se sabe, tem deixado sequelas, algo que acontece com uma frequência consideravelmente grande, ao que tudo indica. 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de uma em cada 10 pessoas tem problemas de saúde persistentes 12 semanas após ter Covid-19. No país, então, a estimativa é que as sequelas deixadas pelo Sars-CoV-2 já atingem aproximadamente 1,4 milhão de brasileiros, sendo que só no Paraná, seriam mais de 90 mil nessas condições. Trata-se, basicamente, de uma nova demanda se desdobrando dentro da crise sanitária, provocando uma sobrecarga ainda maior num sistema de saúde já colapsado.

Não à toa, uma sondagem divulgada na última semana pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revelou que 167 das 241 cidades paranaenses pesquisadas (69,3% do total) já implantaram ou pretendem implantar serviços de reabilitação para acompanhamento dos pacientes pós-covid. Nos 215 municípios que já têm esse serviço médico, a maioria (35,8%) oferece o atendimento nas unidades básicas de saúde, 17,2% em centros especializados, 7% em hospitais municipais, 6,5% em serviços privados contratados e 4,2% em hospitais estaduais

Em Curitiba, o Hospital de Clínicas da UFPR/Ebserh e o Hospital Universitário Cajuru estão oferecendo tratamento especializado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes com sequelas da Covid-19. Segundo o gerente médico do Hospital Cajuru, José Augusto Ribas Fortes, há um maior índice de pacientes com fadiga crônica, dificuldade cognitiva, persistência de dores no corpo e sequelas psicológicas como transtorno do estresse pós-traumático.

“Essa doença tão nova tem nos mostrado desafios diários. No primeiro momento, passamos pela complexidade de entender as formas de contágio, depois veio a luta para encontrar os melhores tratamentos (situação que ainda segue) e agora precisamos avaliar as sequelas e as melhores formas de tratá-las”, analisa o especialista.

Atualmente, porém, o atendimento a esses pacientes ocorre em ambulatório. No Hospital Cajuru, por exemplo, o serviço é prestado às quintas-feiras, no período da tarde. Já no Hospital de Clínicas, há a intenção de se criar um Centro Multidisciplinar para tratamento e reabilitação dos sobreviventes da doença pandêmica. A iniciativa será viabilizada parte com recursos da Megamania e por meio da campanha de arrecadação “O HC Precisa de Você – Centro Pós-Covid”, promovida pelos Amigos do HC. 

Atendimento centralizado e atenção multidisciplinar

No Hospital de Clínicas, o atendimento aos pacientes pós-covid é ofertado de sde meados do ano passado. Inicialmente, porém, esse serviço era feito em clínicas separadas. Ou seja, a pessoa primeira era atendida por um fisioterapeuta, depois por um pneumologista e assim por diante. Agora, a instituição trabalha para conseguir centralizar todos os serviços num só local.

“Estamos fazendo num espaço só. Como é um paciente que exige cuidado especial, estamos fazendo tratamento integral. Numa consulta, ele passa por várias especialidades e vemos o que realmente ele necessita até a recuperação total”, explica Claudete Reggiani, Superintende do Complexo do Hospital de Clínicas da UFPR/Ebserh. “Como estávamos com limitação de espaço [no Complexo HC], para começar um novo serviço a Associação Amigos do HC está alugando um imóvel aqui perto para gente poder oferecer esse novo serviço”, complementa.

Já no Hospital Cajuru, o atendimento a esses pacientes é feito no ambulatório pós-Covid, no bairro Rebouças. Segundo a Dra. Cristina Baena, pesquisadora do ambulatório, os pacientes são encaminhados por outros hospitais da cidade ou mesmo pelas unidades básicas de saúde e, ao chegar, passam por um exame bastante amplo, para se avaliar todas as possíveis sequelas e orientar os tratamentos e terapias adequadas para a recuperação da qualidade de vida do indivíduo.

“O paciente passa pela pneumologia e a clínica médica, a fisioterapia faz avaliação funcional, respiratória, a psicologia faz triagem de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, e ele ainda passa pela neuro-psicologia, para fazer testes de função cognitiva, e solicitamos o retorno em três meses. Se for identificada alguma sequela ou necessidade de encaminhamento para ambulatório de especialidade, a qualquer momento podemos encaminhar esse paciente”, explica a Dra. Baena, comentando ainda que muitos dos pacientes que chegam ao ambulatório são jovens.

“É a menor parte, felizmente, que evolui com sequelas, mas em torno de 30 a 40% dos pacientes de ambulatório vão precisar de tratamento especializado. Muitos são jovens, em fase produtiva, então é importante que recuperem a capacidade de trabalhar, de se relacionar normalmente”, destaca.

A luta para recuperar a vida de antes da doença pandêmic

Além dos dados da OMS, a Dra. Cristina Baena cita ainda uma pesquisa divulgada recentemente na revista Nature para apontar que entre 7 e 8% dos pacientes que tiveram Covid-19, independente da gravidade, apresentarão algum sintoma persistente ou algum problema posterior à contaminação pelo novo coronavírus. “É uma enorme proporção de pessoas, considerando todos os casos de Covid, e tem até casos de pacientes assintomáticos que começam a apresentar sintomas depois, como queda de cabelo e alterações na pele”, aponta a especialista.

Entre esses pacientes acometidos pela pós-Covid, entre 30 e 40% sofrerá com os sintomas (persistentes ou novos) por mais de 30 dias (nalguns casos até mais de três meses) e demandarão atenção especializada, ou seja, um tratamento mais prolongado. Via de regra, os casos mais graves são os que envolvem comprometimento da função respiratória. “Em função da fibrose pulmonar, da trombose nesses pacientes [que tiveram quadros mais graves de Covid], eles ficam com uma limitação, uma dificuldade de saturar os nívels normais de oxigênio, sem o auxílio de um cilindro”, comenta a Dra. Baena.

Um desses casos é o de Aguinaldo Custódio Franco da Rosa, de 43 anos. Após ser contaminado pelo novo coronavírus, ele ficou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por quatro semanas. Já recuperado da doença pandêmica, hoje tem como maior desafio conseguir respirar sem oxigênio. Para onde ele vai, leva o carrinho com um cilindro junto. Para se recuperar, faz acompanhamento com fisioterapeuta, que avalia a sua respiração durante uma caminhada de seis minutos.

Já a manicure Ruthe Plefka, de 59 anos, ficou intubada por oito dias após pegar a Covid-19. Depois de receber a alta hospitalar, começou a luta para superar as marcas deixadas pelo novo coronavírus para recuperar o equilíbrio e voltar a andar. “Quando eu saí do hospital, eu não conseguia nem ficar em pé. Perdi muita massa muscular no tempo que fiquei internada e, com isso, só ia de um lugar para outro com ajuda de um andador ou cadeira de rodas. Nos primeiros dias em casa, até para tomar banho eu precisava de ajuda e o auxílio de uma cadeira apropriada”, conta.

Além do impacto físico, o abalo psicológico tem se mostrado uma das grandes sequelas para aqueles que  passam pelos sintomas mais graves da Covid-19 e o acompanhamento especializado é essencial nessa nova fase. “Eu fui para o ambulatório do Hospital Cajuru algumas semanas após receber alta e me surpreendi com o atendimento. Foram cerca de oito médicos especializados em áreas diferentes que me atenderam da melhor forma possível. Para mim, foi extremamente importante ter esse acompanhamento porque eu estava muito preocupada com as sequelas que poderiam ficar e pude fazer todos os exames de forma gratuita. Para aqueles que não têm condições de pagar pelo serviço, é essencial. Além disso, pude conversar com a psicóloga. Hoje meu maior medo é pegar Covid-19 de novo e voltar para a UTI”, revela.

Ainda não é possível dimensionar impacto da pós-Covid na Saúde 

De acordo com Claudete Reggiani e Cristina Baena, ainda não é possível dimensionar precisamente qual será o impacto dos pacientes pós-Covid no sistema de saúde. “Isso é muma coisa que não conseguimos dimensionar neste momento. Estamos começando a estimar o tamanho do impacto”, diz Baena. “Ninguém sabe ainda, mas calculamos que vai ser um processo entre um a dois anos [atendendo os pacientes pós-Covid mesmo após o fim da pandemia]. Tão breve não vai ser”, complementa Reggiani.

A boa notícia, por outro lado, é que mesmo os pacientes que têm a persistência de sintomas, em sua grande maioria, já está perto de uma resolução do problema após três meses. Entretanto, o acompanhamento dessas pessoas é fundamental. “Porque já tem estudos grandes, nos Estados Unidos e na Inglaterra, mostrando que esses pacientes têm uma necessidade maior do sistema de saúde, fazem mais consultas do que pacientes acometidos por outras doenças, como o H1N1, e tem um risco aumentado de evento adverso, como trombose pulmonar e até óbito nos primeiros meses após a infecção [pelo novo coronavírus]”, cita ainda a Dra. Baena, fazendo um apelo pela unificação dos dados de todos os ambulatórios de Curitiba e no Brasil, de forma a municiar os profissionais de saúde com mais e mais informações.

Os sintomas pós-Covid mais comuns

  • 90% dos pacientes ainda apresentam fadiga
  • 75% perda de peso
  • 70% dispneia
  • 70% dores musculares
  • 40% Alterações da função cognitiva
  • 30% alterações gastrointestinais
  • 30% alteração no olfato e paladar
  • 30% cefaleia 

Fonte: Dados levantados pela equipe do ambulatório especializado do Hospital Universitário Cajuru