PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – O Parlamento Europeu aprovou nesta quarta (12) a abertura de um processo disciplinar contra a Hungria por violações ao Estado de direito. O procedimento pode, em última instância, levar à suspensão do poder de voto do país no Conselho Europeu, que reúne os chefes de governo e de Estado do bloco.

O relatório da deputada holandesa Judith Sargentini recebeu 448 endossos, contra 197 votos contrários (houve ainda 48 abstenções). Eram necessários 2 /3 de aprovação para fundamentar a moção de censura contra o governo de Viktor Orbán.

Foi a primeira vez que o Parlamento ativou o artigo 7 dos tratados da União Europeia, que aborda riscos iminentes de violação do Estado de direito. Em 2017, a Comissão Europeia, braço executivo do grupo, havia recorrido ao expediente para advertir a Polônia sobre uma controversa reforma do Judiciário.

Segundo a agência Reuters, o chanceler da Hungria, Peter Szijjarto, chamou a medida de “vingança barata” de políticos pró-imigração contra o país dele, um dos mais rígidos do continente no tratamento dispensado a estrangeiros desde a crise migratória que estourou em 2015.

Para ele, “a decisão foi tomada de modo fraudulento [as abstenções não entraram no cômputo final], em oposição a regras relevantes de tratados europeus”. O ministro disse que contestaria formalmente a votação.

O governo nacionalista húngaro não encontrou guarida nem entre seus correligionários continentais. Mais da metade dos deputados do PPE (Partido Popular Europeu), a frente de direita que constitui a maior bancada da Casa e até aqui fazia vista grossa para os desmandos de Orbán, votaram pela abertura do procedimento.

O documento preparado por Sargentini foi aprovado por algumas comissões da Casa antes de ir a plenário.

Ele listava várias iniciativas autoritárias do governo de Orbán, acusado de atentar repetidamente contra a liberdade de imprensa, a independência da Justiça, o funcionamento de organizações não governamentais e os direitos de migrantes e refugiados.

No poder desde 2010 (após um primeiro mandato no fim dos anos 1990), o conservador se notabilizou em 2015 por recusar enfaticamente o estabelecimento de cotas de refugiados por país. Antes disso, já havia sido notificado por autoridades europeias por decisões que comprometiam a independência do Judiciário e do Banco Central húngaros.

Mais recentemente, cogitou legalizar a pena de morte (peitando a legislação do bloco continental) e manobrou para impedir a instalação de uma universidade americana em seu país, mas sempre foi constrangido a recuar.

Ao longo das últimas semanas, Orbán e membros de seu gabinete contestaram as conclusões do relatório de Sargentini, dizendo tratar-se de um “emaranhado de mentiras” e sustentando que as medidas condenadas pelo Parlamento seriam expressões da fidelidade da Hungria aos valores europeus.

Além disso, nas palavras da ministra Judit Varga (responsável pelas relações do país com a União Europeia) em um “contrarrelatório” enviado a Bruxelas, a gestão Orbán “rejeita a ideia de que posições diferentes sejam apresentadas como ameaças à democracia”.

Na terça (11), diante do plenário do Parlamento, o premiê húngaro foi novamente ao ataque.

Afirmou ser objeto de chantagem do Legislativo europeu, que teria decidido a priori “condenar um país e um povo” com base em um documento que desonraria a Casa -uma retórica de enfrentamento que pouco combina com o fato de 50% do investimento público da Hungria depender de fundos europeus.

Depois do voto favorável desta quarta-feira, o processo disciplinar passará pelo crivo do Conselho Europeu, colegiado em que precisa receber 4/5 de apoio para avançar.

Caso isso aconteça, o governo Orbán será formalmente instado a se explicar.

Se ele se recusar a dialogar ou ceder, a Hungria poderá ter seu direito de voto cassado. A sanção, entretanto, precisaria ter aprovação unânime, o que é altamente improvável, visto o alinhamento ideológico de Budapeste com o atual governo da Polônia.