Na manhã de segunda-feira, a governadora do Paraná anunciou que as seis concessionárias de rodovia do Anel de integração serão notificadas para iniciar o processo de extinção dos contratos. O vínculo contratual se extingue em 2021. Em paralelo serão realizados os estudos para um novo programa de concessões, que tenha tarifas mais baixas. Para tanto, o Estado deverá negociar com a União, titular da maior parte das rodovias concedidas no Estado.
A medida sinaliza a disposição em dar início ao procedimento de transição. E isto é fundamental. Deixar as providências necessárias para última hora é receita certa para confusões. Há diversos exemplos no Brasil que confirmam isso. Raramente o final desses contratos não é acompanhado de intensos litígios entre as partes. O contrato acaba, mas as demandas persistem assombrando as pessoas.
Nesse momento em que já se vê no horizonte o fim dos contratos é preciso fazer algumas reflexões. Elas são fundamentais para não repetir os erros do passado. A primeira coisa a ser dita é que as concessões que ora se encerram são filhas do seu tempo. Esses contratos foram pactuados ao final da década de 1990 e foram pensados com a cabeça daquele tempo. Duas grandes transformações aconteceram de lá para cá.
A primeira, é a percepção de que o ambiente econômico brasileiro melhorou muito. Os que viveram os anos pós estabilização sabem que no final da década de noventa o sucesso da economia brasileira era uma aposta incerta. Em termos práticos isso significou que quem investiu no setor de infraestrutura naquela época exigiu remuneração condizente com o risco assumido. É, portanto, sem sentido comparar contratos celebrados em momentos distintos como se fossem a mesma coisa. A remuneração exigida pelos investidores naqueles dias era compatível com os riscos então assumidos.
A segunda é o quanto aprendemos em matéria de contratos de concessão daqueles dias para cá. Uma breve comparação entre os modelos utilizados fora do Estado (pela ANTT, p. ex.) mostra isso. Contratos feitos logo após a estabilização econômica apostavam em um modelo em que o Estado transferia o risco do financiamento para o particular e assumia o risco da variação dos custos de obra. Era o que se entendia adequado naquele tempo.
Isso mudou bastante. Os contratos utilizados têm uma tecnologia jurídica, por assim dizer, muito melhor. Atualmente, os contratos pactuados possuem mecanismos para se adaptar às alterações da situação econômica, não sendo mais tão rígidos. Hoje também já se tem claro que o que importa para o usuário é o nível de serviço, e não o custo da obra. Enfim, do ponto de vista técnico os contratos celebrados no Paraná não são substancialmente distintos dos celebrados em outros lugares na mesma época. Ora, se é assim, convém então perguntar o que por aqui aconteceu que tornou o programa estadual altamente litigioso? A resposta é uma só: a própria Administração investiu contra as premissas do modelo. Premissas que foram definidas pelo próprio Estado.
Isso é bastante claro a partir do fato de que nem bem os contratos passaram a valer, determinou-se de modo unilateral a redução das tarifas em 50%. Isto com vistas a colher benefícios eleitorais. Esse tipo de medida sempre cobra o seu preço. No Paraná o custo foi a desconfiguração do modelo originário. Criou-se um passivo de difícil administração pelas partes. Ambas se sentindo frustradas pelo que deveria ter sido, mas não foi. Isso está na raiz dos diversos litígios que marcaram a relação havida entre as partes.
A grande lição que se extrai disso é a necessidade de se levar a sério as regras pactuadas. Investir contra o modelo definido é algo sempre prejudicial no longo prazo. Assim, antes mesmo de se definir questões técnicas sobre o modelo futuro de concessão duas lições precisam ser aprendidas: de nada adianta um modelo tecnicamente adequado se as partes não assumirem o compromisso firme de cumprir seus termos. Qualquer ganho que possa ser esperado se perderá caso as cláusulas contratuais sejam ignoradas. Daí porque, e eis a segunda lição, o modelo a ser desenvolvido deve partir de estudos sérios, devidamente discutidos, refletidos e planejados, que consideram as reais necessidades públicas, as condições econômicas dos usuários e a experiência consolidada pelas partes ao longo dos 25 anos das atuais concessões. Uma vez definidas essas regras, elas devem ser cumpridas. Tudo o que não precisamos é estar daqui a mais de vinte anos revivendo más experiências que podem ser perfeitamente evitadas, caso se leve a sério o que foi pactuado.
Bernardo Strobel Guimarães é Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, Professor da PUCPR e advogado. Heloisa Conrado Caggiano é Mestre em Direito da Regulação pela FGV/Rio, advogada